Opinião

O fim da Barra da Tijuca?

*José Eustáquio Diniz Alves

As praias do Rio de Janeiro e da maioria das cidades do planeta correm o risco de serem "varridas do mapa". Este processo pode ser socialmente grave na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que é a maior e mais complexa aglomeração urbana da zona costeira brasileira, com mais de 12 milhões de habitantes. De todas as zonas ameaçadas, a Barra da Tijuca e arredores é, entre os grandes bairros da Cidade Maravilhosa, a área mais vulnerável ao avanço do nível do mar e às inundações provocadas por ressacas, chuvas e tempestades.

Os professores Orrin Pilkey, da Universidade de Duke, nos EUA, e Andrew Cooper, da Universidade de Ulster, no Reino Unido, lançaram o livro "The Last Beach" em que mostram que as intervenções humanas nas áreas costeiras, junto com a elevação do nível do mar e as tempestades e furacões por conta das mudanças climáticas, estão provocando vasta erosão de areia em direção ao fundo dos oceanos, promovendo a "varredura" do solo costeiro. Para eles a sentença de morte já foi proclamada para grandes extensões de praias densamente povoadas.

As estradas, as barreiras e os muros de concreto erguidas pela civilização para proteção contra as tempestades e elevação das águas são incapazes de deter as ondas e servem apenas para acelerar o processo de erosão dos terrenos litorâneos. Nas praias naturais, sem a intervenção humana, as amplas faixas de areia funcionam como uma defesa natural contra as forças do oceano. Elas absorvem a energia das ondas e amortecem o movimento cíclico das marés. Tempestades e ressacas não destroem as praias naturais, apenas geram deslocamentos em torno da areia para maximizar a absorção de energia das marés.

Mas a ocupação e as barreiras colocadas pelo ser humano fornecem o cenário para as destruições daquilo que foi construído em áreas de baixa altitude. A subida dos oceanos será impiedosa com as construções antrópicas.

Segundo relatório do IPCC, a taxa de aumento do nível do mar foi de 1,5 mm, ao ano, entre 1901-1990 e passou para 3,2 mm, ao ano, entre 1993-2010. No século XX houve, aproximadamente, um aumento de 20 cm do nível do mar. Mas em 2016, o aumento já estava próximo de 4 mm ao ano, segundo a NASA.

Tudo indica que o aumento do volume dos oceanos vai se acelerar no século XXI. Artigo de Justin Gilles, no NYT, mostra que o aumento médio do nível do mar poderá chegar a 1,8 metro (seis pés) ou 2,1 metros (7 pés) até 2100. Isto seria terrível para a cidade do Rio de Janeiro e, particularmente, para a Barra da Tijuca.

Artigo de Dieter Muehe e Paulo Rosman (2011), sobre a capital fluminense, mostra que a orla exposta e voltada para o oceano aberto se apresenta extremamente vulnerável considerando sua orientação diretamente voltada para a incidência de ondas de tempestade e seu déficit potencial de sedimentos. Eles dizem: "Em suma, para os diversos cenários de elevação do nível do mar as praias oceânicas urbanas, devido à sua ’fixação’ com muros, ficam impedidas de se ajustar por meio de retrogradação e tenderão a perder areia, efeito acelerado pelo refluxo das ondas nos obstáculos impermeáveis representados pelos mesmos muros" (p. 78).

Eles ainda mostram (p. 81) que as principais consequências da elevação do nível do mar são:

1) Tendência de translação das praias e cordões de dunas em direção a terra.

2) Onde houver ruas e avenidas na retro-praia haverá diminuição das faixas de areia e potencial risco de ataque de ondas diretamente nas benfeitorias públicas.

3) Recuo das linhas de orla em regiões de baixadas de lagoas costeiras e baías, em função da subida do nível médio relativo da água. Nestes locais, é provável que a taxa de elevação do nível médio do mar seja superior à média, visto que se trata de regiões sedimentares geologicamente recentes, cujos terrenos tendem a sofrer subsidências. Portanto, potencialmente o problema é mais grave.

4) Problemas de macrodrenagem em águas interiores, especialmente em zonas urbanas situadas em baixadas de baías e lagoas costeiras aumentando a tendência de alagamentos. As águas fluem de cotas mais altas para cotas mais baixas e a velocidade do escoamento depende do desnível. Com a subida do nível médio relativo diminuem os desníveis, diminuindo a declividade relativa e consequentemente a velocidade dos escoamentos.

5) Aumento da profundidade média de lagoas costeiras e baías.

6) Aumento da intrusão salina em zonas estuarinas levando a causar aumento ou diminuição de manguezais, em função da disponibilidade de áreas de expansão, e, mais para montante, potencial problema de captação de água salobra em locais que hoje captam água doce.

Ou seja, a avenida Lúcio Costa funciona como uma barreira artificial que contém o avanço das ondas e das marés na Barra da Tijuca. Mas esta barreira vai ficar cada vez mais frágil na medida em que o nível do mar sobe. Com as tempestades mais intensas na terra e no mar, as ondas ficam mais altas e as marés meteorológicas mais elevadas. Assim, a praia da Barra da Tijuca terá diminuição das faixas de areia e a Avenida Lúcio Costa deverá sofrer sérios problemas de erosão e possível destruição de áreas mais vulneráveis. Os sistemas de saneamento e água vão ser afetados e diversos equipamentos públicos (hospitais, escolas, etc.) devem ser danificados.

Mas antes mesmo da elevação significativa do nível do mar, já é comum ocorrer bolsões d’água na Avenida Ayrton Senna, na Avenida das Américas e outras vias da Barra da Tijuca. As ressacas já chegam no calçadão da Avenida Lúcio Costa, como mostra a foto abaixo.

A orla oceânica urbanizada da Barra da Tijuca dificulta as soluções. O bloqueio de canais de drenagem por ação da elevação do nível do mar, pelo empilhamento durante ressacas, poderá fazer o mar transpor a barreira da Avenida Lúcio Costa, o que tornaria a parte oeste da avenida totalmente vulnerável à incidência de enchentes e inundações. Até o complexo de lagoas de Jacarepaguá pode desaparecer.

Todo o bairro poderá ter problemas de macrodrenagem nas zonas urbanas mais baixas. A pista oeste da Avenida Lúcio Costa é mais baixa que a pista leste e diversas edificações na beira da praia estão abaixo do nível da avenida. Alguns prédios possuem garagens ou os primeiros pisos abaixo da pista de trânsito e são totalmente vulneráveis à fúria intrínseca das forças naturais. Como mostram os mapas abaixo, a maior parte da Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e até Jacarepaguá pode ficar debaixo d’água com o constante e permanente aumento do nível do mar. Se as ondas trasladarem a avenida o estrago será monumental.

Construir em áreas baixas e litorâneas é um perigo, especialmente em tempos de mudanças climáticas. A recente e vertiginosa expansão urbana da Barra da Tijuca teve como base os interesses de importantes incorporadores imobiliários que, amparados pelos governos local e regional, visavam maximizar seus lucros ainda que em detrimento da manutenção da qualidade do meio ambiente e da redução dos riscos sociais e ecológicos. A vulnerabilidade é alta.

Como mostrou Gabriela da Costa Silva (2007): "Contemporaneamente, a maioria das cidades privilegia as metas econômicas em detrimento dos valores sociais, prejudicando o meio ambiente, pois que raramente é compreendido como um sistema atuante e vital no processo de urbanização. À medida que a cidade se torna mais complexa, graças ao desenvolvimento das atividades humanas, tendem a se acentuar os impactos sobre o meio ambiente. Esses impactos ambientais revelam o processo de degradação ambiental, que se refere ’à destruição e à ruptura do equilíbrio de ecossistemas naturais’, sendo entendida como a ruína da qualidade de vida de uma coletividade na esteira dos impactos negativos sobre o ambiente – tanto o ’ambiente natural’ quanto o ’ambiente construído’ – por fenômenos ligados à dinâmica e à ’lógica’ do modelo civilizatório e do modo de produção capitalistas" (p. 91).

Segundo Mambrini (2005), a ocupação da Barra da Tijuca não seguiu plenamente o Plano original de Lúcio Costa, pois as lagoas, os mangues e as restingas deram lugar a um agressivo uso da terra. Por exemplo, as empresas privadas – interessadas em aproveitar ao máximo o solo para construção e sua transformação em lucro – aumentaram as disputas no entorno das Lagoas da Tijuca; o poder público foi inoperante na fiscalização; foram aprovadas obras que causaram impactos ambientais negativos; ocupações impróprias e irregulares, etc.

O fato é que a Barra da Tijuca se desenvolveu às custas da especulação imobiliária, da concentração fundiária e da degradação ambiental (em uma área mais propícia aos jacarés). Uma elevação de 1 metro no nível do mar vai provocar o desaparecimento da praia nos momentos de maré alta e vai gerar graves problemas de inundação e enchentes nas partes mais baixas do bairro. Ressacas e inundações já são comuns no Rio de Janeiro conforme mostram os vídeos abaixo.

Mas um aumento de cerca de 2 metros pode se tornar uma calamidade e inviabilizar as atividades econômicas na região. Dezenas de milhares de pessoas podem ter que ser deslocadas e o prejuízo material e patrimonial poderá ultrapassar mais de uma centena de bilhões de reais.

Toda a cidade do Rio de Janeiro seria afetada por este processo. Se o aquecimento global não for interrompido e se o consequente aumento do nível dos oceanos não for abrandado, então pode ser o começo do fim da viabilidade econômica da Barra da Tijuca e arredores.

*José Eustáquio Diniz Alves é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate