Opinião

A maior temperatura em 5 milhões de anos

*José Eustáquio Diniz Alves

A NASA acaba de anunciar que o mês de agosto bateu todos os recordes de temperatura. Aliás, todos os meses de 2016, até aqui, superaram as temperaturas dos meses de 2015, que por sua vez já tinham superado os registros ocorridos desde 1880. Na plenitude civilizacional, o mundo caminha em uma trajetória complexa e perigosa e tem aumentado a mortalidade de diversas espécies, cada vez mais ameaçadas de extinção.

O gráfico acima mostra que o mundo ruma para a temperatura mais alta dos últimos 5 milhões de anos. Os dados da NOAA mostram que 2015 foi o ano mais quente desde do início das medições em 1880. Mas os primeiros oito meses de 2016 foi ainda mais quente e ficou 1º C acima da média do século XX. Considerando apenas os meses de fevereiro e março de 2016 e mudando a linha base de comparação, a temperatura ficou cerca de 1,5º grau acima da temperatura média do final do século XIX. Nota-se que poucas vezes na história, nos últimos 5 milhões de anos, a temperatura ficou acima da média do século XX.

Se o aquecimento global continuar no ritmo atual, a civilização estará no rumo de uma catástrofe. E o mais grave é que a autodestruição humana pode levar junto milhões de espécies que nada tem a ver com os erros egoísticos dos seres que se julgam superiores e os mais inteligentes. A humanidade pode estar rumando para o suicídio, podendo também gerar um ecocídio e um holocausto biológico de proporções épicas.

A última vez que a temperatura ultrapassou os 2º C, no Planeta, foi no período Eemiano (há cerca de 120 mil anos) e provocou o aumento do nível dos oceanos em algo como 5 a 9 metros. Tudo indica que a temperatura no século XXI vai ultrapassar os 2º C em relação ao período pré-industrial. Os prejuízos poderão ser incalculáveis.

As causas do desastre são as mesmas do sucesso. Como imaginou Caetano Veloso: plenitude e a morte coincidissem um dia. Ou seja, o avanço civilizacional possibilitado pelo uso generalizado de combustíveis fósseis e as crescentes atividades agrícolas e pecuárias geraram muita riqueza, mas provocaram uma grande emissão de gases de efeito estufa (GEE), gerando o aquecimento global. Assim, o que possibilitou a plenitude civilizacional também se tornou o maior risco ambiental da história da humanidade.

Durante, pelo menos, os últimos 800 mil anos o nível de CO2 na atmosfera ficou abaixo de 280 partes por milhão (ppm). Mas com o início da Revolução Industrial e Energética os níveis subiram, chegando a 310 ppm em 1950, 350 ppm em 1990 e 400 ppm em 2015 e 407,7 ppm em maio de 2016. Ainda no século XXI o nível de CO2 na atmosfera deve chegar ao dobro do que aconteceu no máximo dos últimos 800 mil anos. Isto aumenta o efeito estufa e torna o aquecimento um processo inevitável.

Nunca a concentração de CO2 subiu tão rápido e nunca os seres vivos da Terra tiveram tão pouco tempo para se adaptar. Embora as mudanças climáticas no passado tenham sido causadas por fatores naturais, as atividades humanas são agora (no Antropoceno) os agentes dominantes de mudança. As atividades antrópicas estão afetando o clima através de aumento dos níveis atmosféricos de gases do efeito estufa e outras substâncias poluidoras.

Artigo de Dana Nuccitelli (15/08/2016), no The Guardian, mostra que o mundo está passando por uma emergência climática e que para reduzir o risco dos impactos mais graves da mudança climática, as emissões de gases de efeito estufa devem ser substancialmente reduzidas?. O Brasil, por exemplo, precisa caminhar para o desmatamento zero e precisa avançar no reflorestamento para sequestrar carbono. Mas o ano de 2016 mostra níveis alarmantes de queimadas na Amazônia, Cerrado, etc.

Ainda segundo a mesma autora (22/08/2016), o gelo do mar Ártico está no seu nível mais baixo, para o verão, desde que os registros começaram há mais de 125 anos. A perda de gelo acirra o efeito de feedback. O gelo é altamente reflexivo, enquanto o oceano abaixo está escuro, assim, quando o gelo na superfície do oceano derrete, o Ártico torna-se menos refletor e absorve mais luz solar, fazendo com que ele aqueça mais rapidamente, acelerando as mudanças climáticas. Esse feedback é uma das principais razões pelas quais o Ártico é a região de mais rápido aquecimento da Terra, com temperaturas subindo cerca de duas vezes mais rápido que em latitudes mais baixas – Ver link do artigo de Brian Kahn (15/09/2016).

Outro efeito do aquecimento global e do degelo do Ártico é a liberação do carbono e do metano aprisionado no permafrost (solo permanente congelado). Este processo pode liberar na atmosfera um gigantesco volume de metano e de dióxido de carbono. Cientistas integrantes do Permafrost Carbon Research Network calculam que, nos próximos 30 anos, cerca de 45 bilhões de toneladas métricas de carbono originado do metano e do dióxido de carbono chegarão à atmosfera quando o permafrost degelar ao longo dos verões. Por volta de 2100, os pesquisadores preveem um cenário ainda mais sombrio: daqui até lá, 300 bilhões de toneladas métricas de carbono deverão ser liberados do permafrost, constituindo uma verdadeira bomba-relógio que vai acelerar o aquecimento global e a elevação do nível dos oceanos.

Por tudo isto, não há dúvida de que o Planeta está caminhando para uma temperatura elevada e sem precedente nos últimos 5 milhões de anos. Desde o surgimento da espécie Homo, nunca o clima foi tão ameaçador. A humanidade terá o mesmo destino dos dinossauros se não fizer uma séria autocritica e um rápido redirecionamento do modelo de produção e consumo hegemônico. O gráfico abaixo mostra como a temperatura aumentou nos últimos 136 anos.

Artigo de Nicola Jones, no site e360 Yale, coloca com clareza as tendências mais recentes. Ela começa dizendo que 99% do gelo de água doce do planeta está preso nas calotas da Antártica e da Groenlândia e que o degelo, especialmente desta última, poderá fazer o nível do mar aumentar 1,8 metro (seis pés) no século XXI e muito mais no século XXII. Artigo de Robert M. DeConto e David Pollard, publicado na revista Nature (31/03/216) mostra que no último período interglacial (130.000 a 115.000 anos atrás), com temperaturas pouco acima das atuais, a média global de aumento do nível do mar (GMSLR) foi de 6 a 9 metros. Os autores mostram que, se as emissões de GEE continuarem no nível atual, o nível médio do mar subiria cerca de 2 metros até o fim do século, extinguindo nações insulares e gerando grande quantidade de refugiados do clima em cidades como Rio de Janeiro, Londres, Miami, Xangai, etc.

No dia 03 de setembro de 2016, antes da reunião do G-20, os presidentes dos EUA, Barack Obama, e da China, Xi Jinping, reunidos em Hangzhou, ratificaram o Acordo de Paris (que foi aprovado em 12 de dezembro de 2015 na COP-21). Pela primeira vez, todos os países signatários da convenção do clima (1992) são obrigados a adotar medidas de combate à mudança climática. Antes, só os ricos estavam obrigados a fazê-lo. O texto do acordo determina como teto para o aquecimento global bem menos de 2°C, na direção de 1,5°C. Também indica que US$ 100 bilhões por ano é o piso da ajuda dos países ricos aos mais pobres até 2025 e determina balanço global das metas nacionais a cada cinco anos. China e Estados Unidos são os dois maiores poluidores da atmosfera e respondem por quase 40% das emissões de gases de efeito estufa.

Embora o governo brasileiro tenha ratificado o Acordo de Paris, em setembro de 2016, na prática as coisas não estão indo bem. O Brasil prometeu reduzir o desmatamento da Amazônia para conter as emissões e o aquecimento, mas o desflorestamento continua em todos os biomas nacionais e tem crescido a degradação da Amazônia em 2015 e 2016 e também a degradação do Cerrado, da Mata Atlântica, etc.

Os países signatários do Acordo de Paris têm até abril de 2017 para ratificar o texto. O documento passará a valer 30 dias depois que 55 países, representando ao menos 55% das emissões globais, formalmente aderirem a ele. Não resta dúvidas de que é preciso a assinatura e também colocar em prática as metas apresentadas. Porém, uma matéria do Observatório do Clima mostra que para atingir o limite de 2ºC, o corte nas emissões de gases de efeito estufa deveria ser seis vezes maior até 2030.

Estudo recente da NASA reconstituiu a temperatura dos últimos 1500 anos e deixou claro que a temperatura média global atingiu um máximo de 1.38C acima dos níveis experimentados no século 19, perigosamente próximo do limite 1.5º C estabelecido no Acordo de Paris. Portanto, o aquecimento das últimas décadas está fora de sintonia com qualquer período anterior em milênios.

O gráfico abaixo mostra as temperaturas do ano de 2016 e dos últimos 7 anos mais quentes da série histórica. O ano de 1998 foi o mais quente do século XX, com anomalia de 0,63º C. Mas os outros 6 anos mais quentes já registrados diretamente foram todos no século XXI, com destaque para o ano de 2015 que ficou 0,9º C acima da média do século XXI. Porém, o ano de 2016 tem batido todos os recordes e até o mês de agosto a temperatura tem ficado em nível superior a 1º C acima da média do século XX.

Considerando a linha de base (baseline) de 1880-1899, mais próxima do período pré-industrial, a temperatura de 2015 já foi superior a 1º C e há 99% de chance a temperatura de 2016 ficar em torno de 1,3º C acima da média de temperatura do período de baixa emissão de gases de efeito estufa, conforme gráfico abaixo.

Desta forma, estamos entrando em um período de emergência climática e o mundo precisa ir além do Acordo de Paris, pois, se a temperatura continuar subindo no ritmo acelerado das últimas décadas, o impacto do aquecimento global será desastroso e poderá levar ao colapso da civilização e à 6ª extinção em massa das espécies. Caminhamos para uma situação inédita nos últimos 5 milhões de anos.

Um dos efeitos imediatos será a inundação de milhões de casas e quilômetros de áreas férteis da agricultura nas regiões litorâneas, gerando perda na produção de alimentos, pobreza e grande número de refugiados do clima. Na primeira quinzena de setembro várias localidades do litoral brasileiro ficaram debaixo d’água, com destaque para Santos, Camboriú e Paraty – que tem seu patrimônio histórico ameaçado. Gerando inundações, perdas e afetando a economia, as mudanças climáticas devem agravar ainda mais as desigualdades sociais, o que pode elevar o clima de revolta e o aumento dos níveis de violência social e ambiental.


*José Eustáquio Diniz Alves é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate