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Opinião
Resíduos e Saneamento: Projeto da Câmara propõe 2024 para adequação dos municípios
*Antonio Silvio Hendges
O Projeto de Lei Complementar 14/2015 que se encontra em análise na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados, propõe alterar as atuais legislações sobre os resíduos sólidos e o saneamento básico no Brasil – Lei 12.305/2010 e Decreto 7.404/2010, Política Nacional de Resíduos Sólidos, PNRS e Lei 11.445/2007 e Decreto 7.217/2010, Política Nacional de Saneamento Básico, PNSB – em relação aos planos municipais exigidos e sua implantação pelos municípios.
A elaboração dos planos de resíduos municipais é estendida até 02 de agosto de 2020, com aplicação plena, erradicação dos lixões e a disposição ambientalmente adequada a partir de agosto de 2024. Considerando que estes prazos estão vencidos desde 2012 para o planejamento institucional e 2014 para sua vigência haverá uma ampliação de 10 anos em relação às diretrizes originalmente aprovadas. Quanto aos outros aspectos do saneamento básico – abastecimento de água, drenagem urbana e tratamento dos esgotos – também é ampliada para 2020 a exigência de plano municipal para o acesso aos recursos financeiros da União ou de entidades da administração pública federal nesta área, anteriormente previsto para 2014 e prorrogado através de decretos duas vezes, com prazo atual para 2018 (Decreto 8.211/2014; Decreto 8.629/2015).
O principal argumento do Projeto 14/2015 é que os prazos estabelecidos originalmente não foram suficientes para os municípios realizarem os planos e implantarem as ações necessárias. A justificativa afirma que existem dificuldades para a colaboração entre os entes federados – União, Estados e municípios – principalmente por ausência de dispositivos legais que garantam estas ações comuns. Dificuldades financeiras e técnicas, inexistência de recursos humanos técnico-gerenciais, limitações de infraestrutura e dificuldades regionais também são apontadas. Por este motivo são acrescentadas referências específicas aos planos de saneamento e resíduos e a obrigatoriedade de apoio técnico e financeiro da União para sua elaboração e implantação na lei que trata da colaboração entre os entes federativos nas questões relacionadas ao meio ambiente – Lei Complementar 14/2011.
Esta proposta surge em um contexto em que aproximadamente 60% dos municípios do país estão inadequados em relação às suas obrigações legais quanto ao saneamento básico e à gestão dos resíduos, com possibilidades de perderem acesso aos recursos da União ou de entidades federais para investimento nestas áreas. A ampliação dos prazos possibilita a normalidade administrativa e concede mais tempo à adequação dos municípios, inclusive livrando os atuais administradores de possíveis responsabilidades por improbidades administrativas e/ou crimes ambientais.
Em parte, existem razões para esta argumentação, mas possivelmente o principal fator da atual inadequação dos municípios foi a ausência de prioridade, inexistiram motivações e o entendimento dos administradores municipais de que o saneamento básico e a gestão adequada dos resíduos são diferenciais importantes, que contribuem decisivamente para a melhoria dos ambientes urbanos em diversos aspectos. Os anteriores e atuais administradores não tiveram a visão de que os investimentos nesta área são fundamentais para a economia de recursos na saúde pública, por exemplo. As opções administrativas foram por outras prioridades, outros investimentos, negligenciando as políticas públicas de saneamento e gestão dos resíduos, possivelmente em muitos casos para não contrariarem interesses relacionados com as empresas de coleta e destinação final que atualmente formam cartéis muito poderosos. E que eventualmente financiam campanhas para garantirem seus interesses, na maioria das vezes em total contradição com os interesses públicos.
A inadequação da maioria dos municípios brasileiros aos aspectos legais é o principal entrave à gestão dos resíduos sólidos no país e também à universalidade do saneamento básico como direito fundamental da cidadania. A inexistência dos planos municipais de gestão impossibilitam diagnósticos adequados aos diversos resíduos produzidos – urbanos, construção civil, industriais, saúde, comerciais – dificultam a gestão e a sua reutilização e reciclagem. A ausência de planejamento, de diretrizes institucionais também inviabilizam a fiscalização adequada e a construção de compromissos públicos dos geradores e poderes públicos através de acordos setoriais e termos de compromissos para a logística reversa dos resíduos tecnológicos e embalagens em geral, por exemplo.
Os impactos ambientais, sociais, econômicos, na saúde e na qualidade de vida relacionados com as deficiências no saneamento, gestão inadequada dos diversos resíduos, lixões reconhecidos ou clandestinos, continuarão presentes e com tendência ao agravamento, principalmente se considerarmos a possibilidade de aumento da população e do consumo como tendência para os próximos anos. A contaminação dos solos e das águas, os problemas de saúde pública, os desperdícios de recursos e matérias primas, a inadequação das atividades dos catadores e a precariedade dos projetos de coleta seletiva, reciclagem e responsabilidade compartilhada, a desestruturação da educação ambiental, as deficiências na infraestrutura urbana, na fiscalização e a irresponsabilidade pública para com a cidadania e o meio ambiente terão uma sobrevida considerável se este projeto for aprovado.
Especialmente em relação aos resíduos, possivelmente haverá uma desestruturação nos projetos em desenvolvimento ou que ainda não estão consolidados, desorganizando aspectos importantes da gestão e gerenciamento em municípios que buscavam a adequação e a consolidação de políticas públicas de gestão e gerenciamento adequados.
Em relação aos municípios inadequados ao final dos prazos estabelecidos para os planos de saneamento e resíduos sólidos, a alternativa legal é realização de Termo de Ajustamento de Conduta – TAC com o Ministério Público estabelecendo as responsabilidades dos gestores, critérios e diretrizes, com metas, cronogramas, previsão de recursos humanos e financeiros.
*Antonio Silvio Hendges é Professor de Biologia, Pós Graduação em Auditorias Ambientais, assessoria e consultoria em educação ambiental e sustentabilidade
Fonte: EcoDebate