Opinião

O desafio de ser mulher na conservação

*Suzana Padua

Ser mulher em muitos cenários já significa ser empreendedor. Em grande parte do mundo e mesmo do Brasil, a mulher não tem vez. Isso porque por muito tempo as regras foram ditadas pelo sexo masculino. Nesse cenário, a mulher para ser profissional precisa ir contra a cultura em que foi criada. Mas, isso não detém um enorme número delas de assumirem papéis protagonistas na transformação de situações que consideram inadequados ou inaceitáveis, inclusive na melhoria da conservação da biodiversidade e do meio ambiente.

Mesmo em ambientes mais privilegiados a mulher não foi preparada para ser profissional. No meu caso, fui criada em um modelo familiar tradicional e nada relacionado a trabalho me foi cobrado. Porém, casei-me com Claudio Padua, que me incentivou a ir atrás do que eu desejava e acabei buscando conhecimentos e práticas, aprendendo com os erros e acertos na trajetória que escolhi. Sempre fui apaixonada pela vida na natureza e por isso acabei me tornando uma educadora ambiental, por perceber que sem tocar a mente e o coração do ser humano não seria possível construir valores como sustentabilidade e respeito à incrível teia de vida que herdamos em nosso planeta. Esse tem sido meu caminho, mesmo sabendo que nado contra as correntezas de um mundo que prega progresso a qualquer custo e destrói a própria chance de saborear essa linda experiência que é fazer parte de um todo maior.

O que leva uma mulher a se tornar conservacionista e empreendedora? São muitos os fatores e alguns válidos também para os homens. O inconformismo com o que acha errado e injusto desperta no empreendedor a vontade de transformar realidades desarmônicas e destrutivas. A mulher aceita com certa facilidade reconhecer que errou na forma de fazer algo ou na estratégia que adotou, e coloca o desejo de ver o resultado almejado acima de seu orgulho pessoal, ajustando o como fazer para dar certo. A mulher em sua essência nutre um sentimento que vai dos filhos a comunidades inteiras. Isso ajuda a torná-la incansável até chegar onde quer, que em muitos casos atinge coletividades que se beneficiam de sua persistência e empenho pela qualidade do que realiza. Um empreendedor, seja homem ou mulher, dificilmente aceita o "não" como resposta. Assim, muda o rumo de decisões preestabelecidas e abre portas para transformações valiosas, antes impensáveis.

Ser educadora ambiental e empreendedora suscita algumas características que considero fundamentais. Primeiro, acredito na construção conjunta com comunidades onde atuo para planejar algo que faça sentido para uma região. Não creio ser possível a implantação de projetos preestabelecidos, pois a co-construção é chave para o empoderamento dos envolvidos. Todo ser humano tem algo a dar e quando o empreendedor/educador respeita a diversidade de saberes e anseios, incita no outro o desejo de contribuir com o seu melhor para um mundo bom para todos.

Segundo, definir prioridades é fundamental, mas sempre com flexibilidade, porque tudo muda com muita rapidez e os tomadores de decisão nem sempre estão preparados para ajustar o que precisa ser adequado para se ter eficácia. Por exemplo, já aconteceu de traçarmos planos para uma região que depois ficou conhecida como palco de conflitos, o Pontal do Paranapanema, em São Paulo. As mudanças drásticas ocorreram em meados da década de 1990 com a chegada de assentamentos rurais em grande quantidade. Ora, trabalhar a conservação de um pequeno macaco, o mico-leão preto, ou a onça ou a anta em um ambiente onde as necessidades sociais são intensas parecia impossível. Foi aí que resolvemos incluir os assentados e pequenos agricultores na missão de conservar a biodiversidade existente onde estavam morando. Desenvolvemos viveiros de mudas de árvores nativas e artesanatos com foco nas espécies da fauna e da flora locais, além de café orgânico à sombra de árvores, também plantadas para "esverdear" a região, atividades que valorizam a natureza e melhoram a renda familiar. Com o tempo, recuperamos áreas degradadas e plantamos um corredor de árvores da Mata Atlântica de grandes proporções, com a ajuda dos assentados. O resultado é que hoje contamos com aliados para a conservação. E o que é melhor, muito desse trabalho é feito por mulheres, que cuidam das pequenas mudas e ajudam a manter a integridade do local.

Terceiro, e talvez o mais importante no meu caso, é contagiar outros com a paixão pela vida que herdamos em nosso planeta. Todo ser é valioso por fazer parte da teia de interdependências e reciprocidades que existem na natureza. Nesse caso, o Brasil deveria dar exemplo por ter uma das mais ricas diversidades biológicas e culturais do mundo.

O fato de eu ser mulher e nascida no Brasil são fatores que certamente influenciaram minhas escolhas. Ser apaixonada e propiciar que outros despertem o respeito, a admiração e o amor pela natureza tão rica de nosso país é minha missão pessoal. É isso que me move e por isso me tornei uma educadora na área socioambiental. O rótulo de empreendedora veio como consequência dessa paixão que não me deixa aquietar ou calar.

No campo da conservação muitas mulheres se destacam. São muitas as que ocupam ou já ocuparam cargos de liderança nas mais variadas organizações da sociedade civil, do governo e do setor privado. Parabenizo todas pelo 08 de março, principalmente aquelas que têm como missão melhorar o mundo! Claro que os homens que contribuem com causas nobres merecem aplausos, mas aqueles que incentivam as mulheres a chegarem lá têm meu especial reconhecimento.


*Suzana Padua é Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreendedora Social Schwab.

Fonte: O Eco