O retrocesso do retrocesso
*Maria Dalce Ricas
A ALMG aprovou no último dia 25 de novembro o Projeto de Lei 2.946/2015, de autoria do governador Fernando Pimentel, que modificou diretrizes do Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema) e cerceou a participação da sociedade no Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). A data ficará gravada na história como o maior retrocesso ambiental do Estado.
A criação do Copam, com poder deliberativo e instrumento de participação da sociedade, em 1977, em plena ditadura militar, que via subversão em qualquer coisa que se fizesse junto, foi fruto de futurista e corajosa visão de pessoas como José Israel Vargas, seu principal mentor. A nova lei aprovada representa caminho inverso: é fruto da falta de compromisso com o futuro por parte do governador, membros de sua equipe e deputados.
Quando o governo criou a força-tarefa para propor mudanças no Sisema, excluindo a sociedade civil, o secretário Sávio Souza Cruz defendeu o ato várias vezes, afirmando que a proposta seria levada ao Copam para discussão. Mas no dia 08 de outubro o PL foi enviado à ALMG, em regime de urgência, e a fala mudou para afirmar que não podia haver caminho melhor, já que lá "é a casa do povo".
Representantes do Executivo repetiram insistentemente que, em vez de leis delegadas, como fizeram as administrações anteriores do PSDB, o Executivo enviou o PL à ALMG, onde foi suficiente e democraticamente discutido com a sociedade. Mas, o atual governo quer governar por decreto. O PL, como disse o ex-deputado Ronaldo Vasconcelos, propõe um verdadeiro "decretismo", dando poderes ao Executivo de intervir em diversos aspectos jurídicos da legislação existente e estruturais do Sisema.
Em 2012, o então secretário de Meio Ambiente Adriano Magalhães também anunciou diversas vezes que a proposta da lei florestal seria levada ao Copam. E da mesma forma, enviada diretamente à ALMG; a sociedade foi cerceada em seu direito de participar.
Uma única audiência pública sobre o PL foi realizada em 27 de outubro. Nela, Sávio Souza Cruz e os deputados Rogério Correia, Durval Angêlo, ambos do PT, e Antônio Carlos Arantes (PSDB) defenderam o PL e em momento algum comentaram a crítica mais básica: mudar a lei, cerceando a participação da sociedade no Copam não resolverá os problemas relativos ao licenciamento, pois suas causas não são regulatórias. São estruturais. Pela falta de recursos, gerenciamento, insuficiência e baixa capacitação de técnicos.
O governador não se dignou a responder ao pedido de retirada do regime de urgência feito por mais de 100 entidades representativas da sociedade civil e ambientalistas organizadas. No dia 25, à tarde, o Substitutivo nº 3 chegou ao plenário com mais de 80 emendas. O relator, deputado João Magalhães, de cara descartou a maior parte delas, dizendo não serem pertinentes. E o substitutivo só foi lido porque outro parlamentar pediu. Caso contrário, teria sido aprovado sem que o público presente nas galerias nem mesmo tomasse conhecimento do teor das emendas. Ou seja, já estávamos excluídos do processo. Mas os deputados governistas, em pronunciamentos sucessivos, louvaram a "democrática participação da sociedade".
Quando ouvimos a emenda proposta pelo deputado Durval Ângelo, de retirar o Ministério Público do licenciamento, custamos a acreditar que fosse verdade. Isso vem sendo tentado desde o primeiro governo de Aécio Neves, por setores do Executivo ligados à iniciativa privada e por pleito direto de entidades patronais como Fiemg e Faemg.
Particularmente, nunca pensei que o governo teria coragem de atentar de forma tão clara contra a democracia e o interesse público. O MP tem sido baluarte na análise jurídica e técnica dos processos de licenciamento, compensando inclusive a crescente fragilidade do Sisema.
O PL original criava órgão ligado ao gabinete do secretário que teria poderes para conceder licença a qualquer projeto considerado pelo governo e Fiemg (através do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) prioritário para o Estado, independentemente de seu potencial degradador. E também àqueles cujo prazo para concessão da licença tivesse expirado, à revelia do Copam. Diante da reação, o governo voltou parcialmente atrás. Manteve o órgão para analisar tais projetos, a princípio, sem poder deliberativo.
A versão final do PL transformou em artigo taxativo a competência da Semad, por meio das Suprams, de licenciar a portas fechadas atividades econômicas que se enquadram nas classes 3 e 4 de acordo com a Deliberação Normativa nº 74, de 2004, como, por exemplo: extração de areia e cascalho, projetos agropecuários que normalmente são responsáveis por grandes desmatamentos, curtumes, frigoríficos, indústrias, loteamentos em áreas cobertas por vegetação nativa como Mata Atlântica e outros, que são responsáveis por grande parte dos impactos ambientais sobre água, solo e biodiversidade.
Mesmo que isso fosse correto – e não é, porque exclui a sociedade-, no atual governo é ainda pior, porque superintendentes das Suprams foram substituídos. E em algumas delas os nomeados não possuem experiência e preparo técnico para exercer a função. O da Supram Central, por exemplo, é ex-titular de delegacia especializada de homicídios. Da Supram Jequitinhonha (Diamantina), é técnico em enfermagem!
O artigo foi um pouco amenizado por emenda aprovada de que projetos que preverem supressão de vegetação em estágios médio e avançado de regeneração, situados em áreas consideradas prioritárias para proteção da biodiversidade, serão encaminhados ao Copam.
Em diversos artigos, a redação do substitutivo aprovado é confusa. Como o parágrafo que determina mandato de dois anos para entidades da sociedade civil e os representantes dos membros do Copam que não poderão ser reeleitos para período subsequente.
Subentende-se que o princípio aplica-se inclusive às entidades patronais como Fiemg e Faemg. E quanto às organizações não governamentais criadas para defesa do meio ambiente, a determinação dificultará sua participação, pois poucas têm estrutura para frequência das reuniões e capacidade para análise de projetos.
Causou surpresa a emenda aprovada que dá poder ao governador de "em caso de urgência ou excepcional interesse público, avocar as competências de que trata este artigo, sem prejuízo do seu regular exercício pelo Copam". Durval Ângelo, respondendo a críticas de parlamentares oposicionistas, citou uma lei que já permitiria isso. Porém, como foi mais uma emenda não discutida, a dúvida permanece.
O PL original remetia a decreto o detalhamento de cargos do primeiro e segundo escalão do Sisema, aspecto que foi também muito criticado. Neste ponto, o substitutivo aprovado é melhor do que o original ao manter as diretorias e superintendências hoje existentes.
O poder deliberativo do Copam foi restaurado em um artigo, porém enfraquecido em diversos outros que mantêm porta aberta para intervenção do governo. Como no caso daqueles que dispõem sobre as competências dos órgãos seccionais da Semad (Igam, Feam e IEF), ao não deixar claro que elas devem ser exercidas de acordo com diretrizes emanadas do mesmo e por remeter a decreto, definição de normas para licenciamento que deveriam ser explícitas em lei.
Na legislação vigente, cabe ao Copam definir políticas relativas às unidades de conservação, proteção da fauna e áreas consideradas prioritárias para conservação da biodiversidade, princípios que sumiram do PL aprovado.
A iniciativa privada tem todo direito de ser bem atendida e em tempo hábil. Assim como tem o dever de agir com responsabilidade ambiental sem buscar interferência política, usar subterfúgios ou burlar leis. Mas a verdade é que o PL aprovado flexibiliza a concessão de licenças, em vez de buscar soluções para as verdadeiras causas dos problemas que fizeram do licenciamento ambiental algo tão complicado.
Os deputados oposicionistas Bonifácio Mourão, Gustavo Correa, Anselmo Domingos, Luiz Humberto Carneiro e Antônio Carlos Arantes surpreendentemente votaram a favor do PL. Carlos Pimenta, João Leite, Gilberto Abramo, Gustavo Valadares e Sargento Rodrigues votaram contra. A deputada Marília Campos, do PT, que no início se posicionou contrária ao regime de urgência, votou favoravelmente, sem questionar sequer a exclusão do MP.
Que não se iludam o governador, seus secretários, dirigentes das Faemg, Fiemg e outras instituições que se aliaram a esta malfadada proposta: das respostas cada vez mais trágicas que a natureza está dando aos seres humanos, eles ou seus descendentes, mais cedo ou mais tarde, mesmo com poder e riqueza, não escaparão. A não ser que se mudem para Marte.
Assim, infelizmente, 2015 ficará marcado na história de Minas por duas tragédias ambientais: a ruptura da barragem da Samarco, em Mariana, e a aprovação, lama abaixo, do PL 2.946, a nova, antidemocrática e impositiva lei ambiental dos mineiros.
*Maria Dalce Ricas é superintendente executiva da Amda.
Fonte: Revista Ecológico