O péssimo tratamento conferido ao Velho Chico
*Gilda de Castro
Os mineiros estão admitindo a dramática situação da Bacia Hidrográfica do São Francisco e esperam por medidas governamentais para estancar o assoreamento, a poluição e a extinção de cursos d’água. Há vários órgãos voltados para questões ambientais, mas eles não promovem ações efetivas, enquanto os problemas agravam-se com a redução de chuva nos últimos anos. Na realidade, somos todos responsáveis pela degradação do Velho Chico, pois prejudicamos córregos, ribeirões ou lagoas, quando desperdiçamos água e aceitamos outras práticas consideradas inexpressivas. Seus danos são imensuráveis, porque ocorrem diariamente em milhares de residências e outros núcleos de consumo, abrangendo, por exemplo, o descarte do óleo de frituras no ralo da pia.
Existem, ao mesmo tempo, ações que são realmente muito graves, mas permanecem sob o guarda-chuva do Estado, sempre incapaz de avaliar as consequências das atividades econômicas sem sustentabilidade e dos projetos de urbanização sem respeito às fontes primárias de uma bacia hidrográfica. Desde o fim do século XVII, Minas Gerais é o exemplo assustador desse desastre, que foi mantido com a mesma fúria destruidora, mais de 300 anos depois, apesar dos consideráveis avanços da ciência e dos exemplos de recuperação de corpos d’água em outros países. Mesmo assim, ninguém se mobiliza para estancar a agonia do São Francisco, bem como de outros rios outrora magníficos.
A mineração no vale do rio das Velhas desencadeou, no século XVIII, desmatamento, assoreamento, contaminação por metais pesados e, principalmente, destruição de milhares de nascentes, problemas que se estenderam para o vale do rio Paraopeba. No fim do século XIX, surgiu Belo Horizonte entre esses afluentes do Velho Chico, e essa alocação não poderia ter sido mais infeliz, porque o vertiginoso crescimento demográfico levou a um processo de urbanização sem respeitar dezenas de córregos do território, que se transformaram em escoadores de esgoto após a canalização para satisfazer os interesses imobiliários e de mobilidade dos belo-horizontinos. Não houve aproveitamento dos cursos d’água para a paisagem urbana, extinguindo a vida fluvial e as matas que os bordejavam, que teriam contribuído para um clima mais ameno.
O parque das Mangabeiras foi criado para ser um santuário ecológico, e existem ali 59 nascentes que formam o córrego da Serra. Ele foi canalizado logo abaixo e continua recebendo outros pequenos cursos d’água até encontrar o ribeirão Arrudas bem poluído. Completando a hidrografia de Belo Horizonte, existem os vales dos ribeirões Pampulha e do Onça, preciosos sustentáculos do rio das Velhas. Todos dependem de inúmeras nascentes, cuja proteção deveria ser o objetivo maior em projetos de urbanização e definição de atividades econômicas. Isso teria preservado o clima de antigamente e poderia assegurar um futuro menos sombrio às próximas gerações.
*Gilda de Castro é mestre em antropologia (Antropologia Social) pela Universidade de Brasília (1979) e doutora em Ciências Sociais (Antropologia) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1993).
Fonte: O Tempo