Opinião

A poluição é a pior forma de pobreza

*Carlos Rittil e Claudio Angelo

A crise energética disparada pelos quatro anos de estiagem no Sudeste mostra o quanto o esquema mental dos anos 1970 é inadequado para lidar com realidade dos anos 2010

’A pobreza é a pior forma de poluição’. Com essa frase, simples e brilhante, o embaixador Miguel Ozorio de Almeida deu o tom da participação brasileira na primeira conferência ambiental das Nações Unidas, em 1972 em Estocolmo. O conceito criado pelo diplomata traz embutido o princípio de que a prioridade para os países pobres é o desenvolvimento, não a proteção ao ambiente. Resolva o primeiro e a segunda vem por osmose.

A tese da "poluição da pobreza" virou um mantra da política externa brasileira na área climática. Pergunte qualquer coisa a um negociador ou técnico brasileiro nessa área e ele dirá, com o dedo em riste: "Temos direito inalienável ao desenvolvimento!" ou "Mas os ricos não fizeram!" ou, quando quer mostrar flexibilidade, "OK, mas só se eles pagarem!"

Quarenta e três anos depois de Estocolmo, o Brasil ruma para a histórica Conferência do Clima de Paris, em dezembro, ainda sob a sombra desse meme. Ele habita mentes com grande influência sobre a definição do plano de corte de emissões que o Brasil deve apresentar no próximo dia 27 às Nações Unidas e que guiará as políticas de descarbonização no Brasil a partir de 2020. A tendência atual é que esse plano, conhecido como INDC, seja muito conservador. Seria um erro histórico.

Durante muito tempo o conceito de poluição da pobreza foi útil, para evitar que os países desenvolvidos – de fato os maiores responsáveis históricos pela mudança climática – escapassem às suas responsabilidades e empurrassem a conta aos pobres. Só que passa da hora de trocar o disco.

O Brasil mudou. Há muito deixamos de ser um país pobre. Ao mesmo tempo, os efeitos das mudanças climáticas vêm se agravando e minando o nosso desenvolvimento. A crise energética disparada pelos quatro anos de estiagem anormal no Sudeste é uma mostra do quão inadequado o esquema mental dos anos 1970 se tornou para lidar com uma realidade dos anos 2010.

O mundo também mudou. Se antes políticas como a redução de emissões de gases de efeito estufa eram vistas só como um ônus, hoje elas são, cada vez mais, oportunidades econômicas. Novas indústrias, como a da energia solar, a da eficiência energética e a da restauração florestal guardam a chave para a geração de empregos de qualidade. Indústrias tradicionais, como a dos biocombustíveis, podem ampliar seu desempenho. Tecnologias limpas na agropecuária podem aumentar o PIB do agronegócio e reduzir emissões. Tudo isso com cobenefícios, como cidades mais habitáveis e menos vulneráveis – e água na torneira de todo mundo.

E nem precisa acreditar na palavra dos ambientalistas a esse respeito: veja, por exemplo, os resultados do IES Brasil, um amplo estudo coordenado pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, ligado à Presidência da República.

Realizado durante um ano por uma equipe de especialistas de diversas áreas, o IES Brasil analisou a trajetória atual de emissões do país e alguns cenários possíveis de corte de emissões até 2030. Sua conclusão principal é que, no cenário de cortes mais drásticos de emissões, o PIB brasileiro ficaria 4% maior em 2030 do que seria se apenas as políticas atuais de clima fossem continuadas. A taxa de desemprego, sem mitigação, ficaria em 4,35% naquele ano; com mitigação, ela variaria entre 3,5% e 4,08%.

Ao adotar políticas adicionais de mitigação, o governo estimula novos setores, reduz o custo Brasil, devido ao aumento da eficiência nos processos, e investe mais em educação e inclusão social. Em tempo: 75% das tecnologias de abatimento de emissões têm custo baixo ou negativo. Cortar emissões pode ser uma ferramenta contra a crise.

O IES Brasil e outros estudos semelhantes em curso mostram que o adágio neste século é o oposto do de 1972: a poluição é a pior forma de pobreza. Infelizmente, porém, essa ficha ainda não caiu para parte do governo.

*Carlos Rittl é secretário-executivo e Claudio Angelo é coordenador de comunicação do Observatório do Clima

O Globo