Sociedade civil faz protesto para chamar mais atenção sobre a poluição da Baía
*Amelia Gonzalez
Há quem abrace a tese de que a humanidade saberá muito bem se defender contra os impactos produzidos pelo aquecimento da Terra com geoengenharia, a ciência que estuda meios artificiais para nos livrar desse mal. As técnicas mais mirabolantes estão sendo pensadas. A introdução de um aerossol de gotículas de ácido sulfúrico na estratosfera para alterar o equilíbrio de calor do planeta ou a utilização de aeronaves comerciais para liberar enxofre com o mesmo objetivo são dois exemplos*. Até hoje não houve consenso e os críticos apontam vários efeitos colaterais indesejáveis.
Enquanto isso, porém, aqui no Rio de Janeiro uma tecnologia menos sofisticada pode ser empregada para salvar a cidade não do aquecimento, mas de um fiasco feio durante as Olimpíadas de 2016. É que, como já foi reconhecido até mesmo pelo governador Pezão, não vai dar para despoluir a Baía de Guanabara até o evento. Assim sendo, talvez umas imensas redes estrategicamente instaladas no caminho dos atletas possam esconder o lixo, como sugere Ricardo Bimba, tetracampeão do Pan no windsurf . O atleta aconselha também a contar com a sorte, e pode ser preciso mesmo. E lamenta muito porque, diferentemente da promessa feita pelo prefeito Eduardo Paes quando anunciou com pompas a escolha da cidade pelo Comitê Olímpico, a população do Rio de Janeiro não receberá sua Baía limpa como legado da superfesta.
Passei a manhã de sábado acompanhando uma barqueata, organizada pela Campanha Baía Viva, para denunciar a questão. Trata-se de uma iniciativa de entidades e pessoas da sociedade civil que pensam em exercer algum controle social sobre o problema que tem, no mínimo, algumas décadas. Até hoje tudo o que tem sido feito no sentido de livrar da sujeira as águas já pesadas da Baía não tem chamado ninguém da sociedade civil para ajudar. O jeito, então, foi chamar atenção fazendo barulho, convocando imprensa de todos os lugares do mundo e expor a porcalhada. Assim foi feito.
Saímos da Marina em direção à Urca. No caminho, cerca de 50 barcos se juntaram. Houve buzinaço, palavras de ordem, uma cantora lírica emocionou quando puxou "Ave Maria" solo. Todo mundo se calou para ouvir e alguém comentou que o papa Francisco, cuja Encíclica se refere aos impactos provocados pelo homem no meio ambiente, iria gostar de estar ali.
Até um índio participou, representando os povos tradicionais que estão sendo recorrentemente esquecidos no processo que despreza o meio ambiente em prol de um desenvolvimentismo a qualquer custo. Sandra Quintela, economista do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), estava ali também para lembrar outra Baía, a de Sepetiba, em situação igual ou pior à da Guanabara. Especializada em políticas de desenvolvimento, Quintela disse que tais populações, justamente por estarem próximo e precisarem das águas das Baías para sobrevivência, deveriam ser ouvidas. Mais ainda: poderiam ser chamadas a ajudar. Mas não são.
A atleta Isabel Swan, medalhista em Pequim 2008, juntou-se à turma. Antes, conversou com os jornalistas e explicou que há riscos para quem veleja em águas sujas, o lixo pode ser um problema. "É um choque para o atleta que vem de outros países essa situação", disse ela.
No âmbito legislativo, o deputado Flavio Serafini (PSOL/RJ), membro da Comissão de Meio Ambiente da Alerj, também no barco que levou os jornalistas, pretende fazer sua parte. Vai convocar para o dia 18 agosto uma audiência pública com Fiocruz e Anvisa, entre outros órgãos, em que pretende pôr em discussão também a metodologia usada até hoje para as pesquisas sobre poluição da Baía. Recentemente a Associated Press (AP) encomendou uma análise da qualidade de água que assustou muita gente. O deputado quer descobrir por que tais dados ainda não tinham vindo à tona. Uma dica é que até hoje só se mede a qualidade das águas da Baía com ela cheia, o que pode dar um resultado diferente de quando ela está vazia.
Fiquei sabendo ali, entre uma conversa e outra, que o assoreamento é tanto na Baía que há um determinado período do ano quando é possível ir a pé num trecho grande, entre o aeroporto Internacional e Duque de Caxias. Histórias que desanimam.
As águas da Baía são escuras e parecem grossas, pesadas. Com um quadro tão complexo de poluição não será fácil, se algum dia algum governante tiver esse desejo (sim, depende disso), livrá-la de tanta sujeira. A Campanha Baía Viva lista alguns problemas que contribuíram para a situação chegar até onde chegou. Entre eles há o avanço do parque industrial. Segundo o deputado Serafini, hoje 40% da navegação da Baía é feita por barcos que servem à indústria de petróleo.
Outra questão séria é a poluição dos rios causada pela ausência de saneamento básico nas cidades cujos rios deságuam na Baía. Nesse momento, fiquei me perguntando também para onde vão as águas sujas daqueles luxuosos iates e pequenos barcos que lotam a Marina. Lembrei-me de uma reportagem que publicamos no caderno "Razão Social" (encartado no "O Globo" de 2003 a 2012), em abril de 2012, em que a repórter Martha Neiva Moreira denunciou que não há regras rígidas sobre jogar lixo orgânico nas marinas brasileiras. Nem uma fiscalização efetiva, embora vigorem por aqui as normas da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (Marpol) que proíbe lançamento de resíduos próximo das costas.
As atitudes individuais, de cidadãos conscientes, podem ajudar bastante, mas não são tudo. Falando francamente, é pouco provável que as águas da Baía da Guanabara ou da Baía de Sepetiba fiquem limpas de uma hora para outra se as empresas continuarem firmes no seu propósito de conseguir lucro a qualquer custo. Estiquei um pouco a conversa com o deputado Serafini, um ambientalista, e fiz a pergunta que costuma deixar esses especialistas sem resposta. Afinal, se muito da poluição é causado pela indústria e se o modelo atual exige que as fábricas não parem, como conciliar? Com um modelo de desenvolvimento mais equilibrado, disse-me ele.
Essa harmonia será a chave do sucesso, mas não me parece nem minimamente perto de acontecer. Talvez multas pesadas sobre as empresas poluidoras possam ser um início de conversa. Mas qual governante vai querer tomar uma atitude tão pouco simpática ao mundo corporativo?
A barqueata terminou, mas o movimento da sociedade civil vai continuar. As pessoas saíram de seus barcos e foram para os jardins do Museu de Arte Moderna, onde houve um dia de eventos e shows. No dia 13 vai acontecer uma reunião entre os participantes da Campanha Baía Viva para avaliar resultados e pensar em próximos passos. Se da avaliação constar a repercussão da barqueata na mídia, certamente ela será positiva. Nesse sentido, o movimento foi oportuno e as Olimpíadas estão sendo importantes.
Mas é bom lembrar que há três anos o Rio de Janeiro foi sede de outro evento mundial, a Rio+20, focado em desenvolvimento sustentável, que entre outras coisas pôs em discussão a poluição ambiental. Muitas reportagens foram feitas com o propósito de denunciar a sujeirada de rios e baías. Nem por isso a Baía de Guanabara foi limpa.
Falta vontade política, dizem muitos. A despoluição das águas não é capaz de eleger ninguém, muito menos de reeleger. São verdades tão insofismáveis quanto vergonhosas e inconvenientes. Dão a exata dimensão da falta de compromisso com as causas públicas de muitos daqueles que se elegem. Dão também, por outro lado, a medida da falta de importância que o assunto tem para uma grande parte da população.
Vai ser duro, assim, chegar ao equilíbrio desejado.
Informações do livro "Gaia: alerta final", de James Lovelock
*Amelia Gonzalez é jornalista, editou o caderno Razão Social, no jornal O Globo, durante nove anos, e nunca mais parou de pensar, estudar, debater e atualizar o tema da sustentabilidade, da necessidade de se rever o nosso modelo de civilização. Em pauta, questões ligadas à economia, ao meio ambiente, à sociedade.
Fonte G1