Opinião

Rios Voadores

*Roberto Naime

Em 2.007 trabalhando com a equipe do Prof Luiz Duarte, na implantação do curso de engenharia ambiental do Centro Universitário de Várzea Grande (UNIVAG), se viabilizou a oportunidade de ter o primeiro contato com o casal Gérard e Margi Moss, que estavam desenvolvendo já sob o patrocínio da PETROBRÁS, o projeto "rios voadores". Na época e ainda agora, visto como um certo delírio de ambientalistas, embora fosse inspirado pela realidade e trabalhando com uma hipótese complicada de confirmar, houve a possibilidade de ouvir explanação sobre a hipótese e os trabalhos que então se realizavam em palestra na UNIVAG, na cidade mato-grossense de Várzea Grande, onde se localiza o aeroporto Marechal Cândido Rondon, que atende também a cidade de Cuiabá.

Agora que a hipótese ganhou destaque numa explanação do programa Fantástico da rede Globo, e em função da terrível seca que assola o estado de São Paulo, também vinculada com hipóteses do projeto, então ocorre nova motivação para evidenciação da iniciativa.

Todo mundo conhece, ou já ouviu comentar que o Brasil detém aproximadamente 12% das águas doces disponíveis para utilização e consumo. Mas esta reserva está muito desproporcionalmente distribuída na geografia brasileira. Em cursos de drenagem ou rios, que são mais vigorosos nas regiões norte e centro-oeste e em aquíferos, onde depende de poços tubulares para sua extração, como o aquífero Guarani na região sul e o aquífero de Gurguéia no sul do estado do Piauí.

Entre o final de 2.003 e o final de 2.004, o casal Gérard e Margi Moss, coletaram 1.160 amostras de água doce, de rios e lagos espalhados no território brasileiro utilizando um avião anfíbio denominado Talha-mar. O projeto ganhou o prêmio ambiental Von Martius em 2.004 na categoria natureza. Mais do que desenhar um abrangente panorama da qualidade da água, foram desenvolvidas hipóteses muito relevantes que ajudam a entender a realidade de hoje.

Conforme referiu o programa Fantástico e como refere o site do projeto ainda no ar e consultado em 20 de setembro do ano de 2.014, os rios voadores são massas de ar que carregam vapor de água, preferencialmente da exsudação das florestas na região da Amazônia para outras regiões do Brasil, especificamente para as regiões centro-oeste e sudeste do país, contribuindo desta forma para a manutenção dos índices pluviométricos em equilíbrio.

Gérard Moss idealizou uma forma de coletar amostras de água, em voos rasantes a bordo de um avião anfíbio, e a partir de consultas e ajustes com cientistas e especialistas, as metodologias foram validadas para determinação da qualidade da água, então foco preferencial da pesquisa executada.

Para validação da hipótese dos rios voadores como condutores de chuvas da região amazônica para o centro-oeste e sudeste do Brasil, acredita-se que não houve comprovação, mas apenas farta evidenciação observada pelos realizadores do projeto. Isto talvez fosse possível com a determinação isotópica do oxigênio presente nas chuvas em regiões exógenas à Amazônia, comparadas com determinações isotópicas da região da Amazônia Legal. Especialistas devem ser consultados para validar a viabilidade deste procedimento ou determinar sua inviabilidade e um método mais viável para comprovação. Mas, ao que se sabe, investigações isotópicas ainda são de difícil realização no país e não são técnica universalizada.

O casal Moss viajou por mais de 120.000 km no seu avião anfíbio transformado em laboratório aéreo, coletando amostras de água, num total de 1.160 de 524 rios, lagos e reservatórios. Na época, baseado nos resultados de análises físicas e microbiológicas, foi possível estabelecer um mapeamento evidenciando a qualidade das águas, identificando também ambientes não contaminados para propiciar atividades de conservação dos recursos hídricos. Os dados também possibilitaram a formação e operação de banco de dados.

O conjunto operacional e metodológico do projeto ajudou a entender a situação atual da dinâmica que afeta o ciclo hidrológico do país dentro de uma concepção holística. Começou a se criar a concepção de rios voadores que são massas de ar que carregam vapor de água de certas áreas, como Amazonas para outras regiões, sendo aparentemente responsáveis pelo equilíbrio da pluviosidade, em hipótese ainda não comprovada, mas muito evidenciada.

A quantidade de vapor de água transportada por estes rios voadores, é estimada pelo site do projeto em 200.000m3/s, que é uma vazão superior a todos os rios da região centro-oeste ou equivalente a vazão do rio Amazonas. O projeto iniciou em 2.007, ano em que uma escala de trabalho em Cuiabá possibilitou o contato direto com a equipe. Voando junto com os ventos, coletando amostras do vapor para análise, se buscava explicações para as inter-relações observadas.

A coleta de amostras de vapor de água das nuvens, permitiu a análise por parte de pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo, do campus Luiz de Queiróz em Piracicaba, São Paulo. O projeto também monitorou a trajetória dos rios voadores através de uma parceria com o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Desta forma foi possível procurar entender e caracterizar as possíveis consequências do desmatamento e das queimadas na Amazônia sobre o balanço hídrico e os eventuais impactos sobre as mudanças climáticas.

Desta semente, começou a ser revelada a verdadeira origem para os recursos hídricos que abastecem as populações de alguns dos grandes centros urbanos do país. O que era e contínua sendo uma hipótese muito viável, acumulou grande quantidade de evidências e parece cada vez mais claro que a ação antrópica irresponsável tem grandes consequências sobre o equilíbrio climático e a homeostase sistêmica dos grandes biomas encontrados no país. Não adianta os políticos atribuírem culpa a São Pedro cada vez que se aproxima um episódio eleitoral.


*Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Fonte: EcoDebate