Para a biodiversidade, a floresta é boa inteira e não em pedaços
*Aldem Bourscheit
Sobrevoar áreas de produção agropecuária revela, em diversas regiões do país, uma colcha de retalhos: são grandes trechos de lavouras e pastos, entrecortados aqui e ali por porções de florestas que toda propriedade rural deve manter – as reservas legais – mais as áreas de preservação permanente, que protegem corpos d’água e topos de morro.
O efeito prático desse modelo de ocupação da terra é a chamada fragmentação, quando as porções de florestas não se conectam. Esse é um dos mais graves choques impostos aos ambientes naturais, que tendem a ter sua riqueza diminuída ou até eventualmente eliminada.
Mais do que impacto visual, a fragmentação prejudica a vida de animais e de plantas, pois não há fluxo gênico entre as espécies; a oferta de água, ao não proteger os cursos por inteiro; a regulação do clima e outros serviços oferecidos gratuitamente por áreas conservadas. Logo, os danos não atingem apenas a conservação da natureza, mas também a produção e as populações no campo, que podem ser privadas desses benefícios.
O problema cresce quando planos econômicos com visão de curto prazo colocam esses benefícios com menos peso na balança frente a investimentos de retorno imediato, que não levam essa questão em consideração, e não como uma poupança para um futuro mais seguro e mais sustentável de todos os brasileiros.
O novo Código Florestal, em vigor desde 2012, abre excelentes oportunidades para mudanças nesse cenário. Bastaria que, na validação dos Cadastros Ambientais Rurais obrigatórios de propriedades e de posses rurais, fosse estimulada a recuperação e a união desses fragmentos de florestas, entre si e entre Parques Nacionais, Terras Indígenas e quilombolas, áreas militares e outras áreas protegidas. Formar essas "rodovias verdes" pode ajudar na conservação da vida, a ampliar a oferta de água e nossa capacidade de resistir às alterações do clima, beneficiar a produção no campo e melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Essa medida é defendida pelas entidades ligadas ao Observatório do Código Florestal e tem base em experiências desenvolvidas em várias regiões do país. Algumas delas estão em curso no Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais, capitaneadas por entidades como Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e Instituto de Pesquisas Ecológicas – Ipê.
A ideia também inspirou a formação de corredores ecológicos urbanos. Manaus estabeleceu ainda em 2007 um corredor conectando um parque municipal e uma reserva particular, protegendo um igarapé que abastece 40% da capital. Outras iniciativas do tipo começam a ganhar forma no Rio de Janeiro.
Combater a fragmentação seria ainda mais benéfico em regiões importantes para o abastecimento público de água e nas já mapeadas áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade. Por exemplo, grande parte dos imóveis rurais no estado de São Paulo não possui vegetação suficiente e deverá se regularizar, com a compensação ou com a recuperação de reservas legais. Definir mecanismos e incentivos para tornar essa opção mais vantajosa é um grande desafio, enquanto fazê-lo ao mesmo tempo em que se formam corredores de vegetação – bom, isso viraria o jogo.
*Aldem Bourscheit é especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil, entidade membro do Observatório do Código Florestal
Fonte: Blog do Planeta