Opinião

O abandono como legado

*Dalce Ricas

Ouvi de um ex-secretário estadual a seguinte frase: "Não aceito mais cargo público. A máquina do Estado está montada para não funcionar". E, com exceções, provavelmente de instituições públicas que sustentam nossa mais que desacreditada "classe política", é verdade que isso se aplica com primor à área ambiental.

Minas Gerais possui 72 unidades de proteção integral – estações ecológicas, monumentos naturais, parques, refúgios de vida silvestre e reservas biológicas, que totalizam cerca de 560 mil hectares, menos de 2% de seu território.

O quadro geral é de abandono. Sob muita cobrança, no final de 2015 o governo liberou 52 caminhonetes Amarok, e logo depois, em 17 de novembro, suspendeu a autorização para abastecimento em postos de gasolina antes autorizados. Restou aos gerentes abastecer os poucos veículos (principalmente motos) movidos a gasolina ou diesel comum, em batalhões da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) ou unidades do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-MG). As Amaroks utilizam óleo S10 que não há nesses locais e, por isso, estão paradas.

As motos do Parque Estadual do Rio Preto têm de ir até Diamantina, a cerca de 80 km, dos quais 20 em estrada de terra. Do Itacolomi, em Ouro Preto, até BH, percorrendo distância de cerca de 200 km. Ficam horas fora dos parques e gastam a maior parte do combustível para ir e voltar. Já o Parque Veredas do Peruaçu não tem como abastecer seus veículos porque acabou o combustível do DER.

Os modelos 4×4 são fundamentais para os parques que, em sua maioria, localizam-se em áreas montanhosas e deslocam-se em estradas de terra. Comunicamos o fato ao novo secretário de meio ambiente, Sávio Souza Cruz, que determinou providências e até a solução do impasse: como medida emergencial, foi autorizada a liberação de R$ 150 para cada unidade de conservação, valor insuficiente para atender a demandas da Semana Santa que se aproxima. Para aumentá-lo, é necessária autorização da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag).

Para manter os parques abertos e realizar tarefas mínimas, muitos gerentes doaram combustível, apesar do salário baixíssimo que ganham. Os fatos são a ponta de uma situação estrutural que piora a cada ano, apesar de as unidades de conservação exercerem funções sociais importantes, propiciando às pessoas lazer e contato com o meio ambiente natural, além de protegerem a biodiversidade e inúmeros mananciais.

Os gerentes são responsáveis por impedir que fogo, invasões e caçadores destruam esses espaços, além de zelarem pela manutenção de equipamentos, gestão de pessoal, receberem e darem assistência a visitantes, inclusive em caso de acidentes. E, apesar de tanta responsabilidade e dedicação, são tratados como se não tivessem importância para o Estado e para a sociedade. Só mesmo uma sociedade imediatista, que continua agindo como se os recursos naturais fossem infinitos, explica esse tipo de coisa.

*Dalce Ricas é superintendente executiva da Amda

Fonte: revista Ecológico