Por que falta água na Cantareira?
**Eduardo Assad e Roberto Rodrigues
Em meio a tantas notícias ruins, como queda da Bolsa, falta de água, falta de luz, eis que das montanhas de Minas Gerias surgem notícias razoavelmente boas. A água voltou a brotar nas nascentes no alto da serra da Mantiqueira, nos municípios que alimentam o rio Jaguari, principal fornecedor de água para a Cantareira.
O problema é que ainda não tem volume nem força para percorrer 100 quilômetros e encher os reservatórios do Sistema Cantareira em Bragança Paulista e Joanópolis, em São Paulo. Mas é a natureza nos indicando que se preservarmos ela reage.
Nos últimos 500 anos desmatamos as nascentes e as áreas ao longo dos rios que nos abastecem de água. No passado, Minas Gerais e São Paulo brigaram por causa do ouro: foram guerras localizadas e sangrentas, todas para atender a corte. Hoje o ouro é a água. E vindo também de Minas Gerais, de Munícipios que adotam políticas de preservação dos seus rios, como o município de Extrema. Não poderia ser diferente: preservou, choveu e a água brotou.
Mas, por que não brota nos outros oito municípios paulistas que compõem a região da Cantareira?
A resposta é Simples. O desmatamento no passado foi muito grande. Enquanto nos preocupávamos, com razão, com os impactos do desmatamento na Amazônia, nos esquecemos de cuidar do quintal de casa.
Permitimos a expansão urbana desenfreada, impermeabilizamos os solos, cortamos as árvores e reduzimos a infiltração da água que alimenta o lençol freático.
Aumentou a erosão e as enchentes se multiplicaram. As mudanças climáticas explicam em parte a maior frequência de ocorrência de chuvas intensas nos últimos anos.
Mas o maior o problema foi a redução dramática da vegetação em torno das nascentes e dos cursos d’água. Nos 12 municípios que estão em volta da Cantareira, quatro estão em Minas Gerais e oito em São Paulo: Itapeva, Camanducaia, Sapucaí-Mirim e Extrema em Minas Gerais e Bragança Paulista, Vargem, Joanópolis, Piracaia, Nazaré Paulista, Mairiporã, Franco da Rocha e Caieiras, em São Paulo.
Em todos eles a situação é alarmante. Estudos da Embrapa com a Fundação Getúlio Vargas indicam que são mais de 8.100 km de rios e córregos com menos de 10 metros de largura não protegidos, em 34 mil hectares desmatados.
Existem diversos exemplos no Brasil mostrando que a simples revegetação promove a volta da água. Para iniciar essa recuperação na Cantareira serão necessárias milhões de mudas de espécies nativas da Mata Atlântica. Muitas são conhecidas e bem estudadas. E em São Paulo estão as maiores empresas capazes de indicar as espécies e produzi-las. Pena que nada foi feito. Enquanto isso, só se fala em buscar água daqui e de acolá, e em obras de engenharia.
Nova York passou por problemas parecidos. Preservou as nascentes na áreas mais altas e revegetou as áreas de preservação permanente. Atuou diretamente naquilo que é conhecido como segurança hídrica, que é manter o ciclo hidrológico funcionando, preservando as funções hídricas da biodiversidade.
Em 17 de março de 1537, Duarte Coelho, Governador de Pernambuco, enviou requerimento à câmara de vereadores de Olinda, proibindo o corte de todas as madeiras ao redor dos ribeiros e das fontes sob pena posta em regimento. Também proibiu que os colonos jogassem lixo nos rios e nas aguadas. Temos história! Acorda Brasil! Acorda São Paulo!
*Eduardo Assad é pesquisador da Embrapa e pesquisador visitante da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas
*Roberto Rodrigues é coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, embaixador especial da FAO para as Cooperativas e presidente da Academia Nacional de Agricultura SNA e ex-ministro da Agricultura
Fonte: Estadão