O câncer do desmatamento
* Agostinho Vieira
É como uma mamografia. A gente faz o exame e torce muito para que o resultado seja bom. A metáfora, feita pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, tenta explicar a ansiedade que antecede a divulgação anual dos dados sobre o desmatamento na Amazônia. A comparação com a doença parece exagerada, mas só até ela começar a relacionar os "tumores" envolvidos nesta história.
Este ano, apesar de todo o disse-me-disse que cercou o exame do paciente, o câncer amazônico voltou a regredir. O índice havia subido 29% no ano passado, depois de uma enorme sequência de quedas que começara em 2005. Agora voltou a cair 18%, passando de 5.891 km² para 4.848 km², o segundo menor da história. Izabella se recusa a comentar os dados da ONG Imazon que disse que o desmatamento estava aumentando. Em outubro, segundo eles, teria subido 467%.
Ela lembra apenas que o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Imazon, assim como o Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), não serve para fazer esse tipo de medição. O único realmente confiável é o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal (Prodes), que também pertence ao Inpe, é reconhecido internacionalmente e acompanha a série histórica desde 1988.
A ministra nega que esteja faltando transparência e jura que só ficou sabendo do número oficial no dia em que ele foi divulgado. Então, por que os dados do Deter passarão a ser apresentados apenas de três em três meses? Em primeiro lugar porque não são precisos, argumenta. Eles funcionam como alerta para a fiscalização do Ibama, como indício. Mas a razão principal é que estavam servindo como arma para os bandidos, que fugiam antes da polícia federal e dos fiscais aparecerem.
Mas afinal, o que está por trás destes números? Quem são os responsáveis pela vegetação destruída? É difícil falar em indústria do desmatamento como algo único e organizado. As causas são várias e vão desde o tráfico de drogas e armas até o garimpo, passando pelas madeireiras ilegais. Entre 25 investigadas no Pará este ano, 24 estavam em situação irregular.
Desde o final de 2011, quando houve um pico no desmatamento, o governo criou uma força tarefa envolvendo vários ministérios. Entre as armas utilizadas estão aviões não tripulados e programas de inteligência que acompanham a movimentação dos mateiros. Foi isso que permitiu a prisão recente de uma das maiores quadrilhas do Pará, pouco antes deles começarem a desmatar 140 km². Ela era liderada por Ezequiel Castanha, que está foragido, e já havia recebido 30 milhões em multas.
De todos os atores do desmatamento, os grileiros continuam sendo os mais relevantes. Eles invadem as áreas públicas, desmatam, vendem a madeira, ocupam com gado, conseguem títulos de propriedade falsos, esperam valorizar e vendem. O esquema envolve cartórios, políticos locais e fiscais corruptos. Aliás, o termo grileiros vem de grilos, insetos postos nas gavetas junto com os títulos de propriedade novos para que parecessem antigos e gastos.
Apesar da queda deste ano, o passivo do desmatamento ultrapassa a marca dos 750 mil km², 18,2% de toda a Amazônia. O projeto TerraClass, do Inpe, identificou que mais de 60% deles são ocupados por cabeças de gado. A agricultura responde por menos de 10%. A boa notícia é que parte dessas terras foi abandonada e a vegetação vem crescendo novamente. Só entre 2008 e 2012, foram 113 mil km² de florestas regeneradas. Uma área duas vezes e meia maior do que o total desmatado no mesmo período, que foi de 44 mil km².
Esta semana, em Lima, a ONU reconheceu o esforço brasileiro para reduzir o desmatamento. O país ganhou o aval da entidade para buscar uma compensação financeira internacional por ter evitado, entre 2005 e 2010, a emissão de 198 milhões de toneladas de gases de efeito estufa. O compromisso assumido pelo Brasil é de reduzir em 80%, até 2020, o desmatamento da Amazônia. Izabella Teixeira acredita que esse índice será alcançado em 2016.
Mas ela volta à metáfora do câncer para dizer que isso não revolve o problema. Temos células contaminadas em toda a região. O trabalho dos fiscais e da polícia tem que ser intensificado. É preciso que haja um envolvimento muito maior dos estados e dos municípios. Investir na regularização fundiária e, principalmente, buscar alternativas para a população pobre da região. A floresta de pé deve ser um ativo social, ambiental e econômico do Brasil.
*Agostinho Vieira é jornalista
Fonte: O Globo