O aquecimento global e seus danos irreversíveis
*José Eustáquio Diniz Alves
A civilização urbano-industrial obteve um grande progresso humano nos últimos 240 anos, ao mesmo tempo que protagonizou um grande regresso ambiental. A concentração de gases de efeito estufa (GEE) ultrapassou 400 partes por milhão (ppm), o nível mais elevado dos últimos 800 mil anos. Em consequência, a temperatura média na superfície da Terra e dos oceanos aumentou 0,85ºC entre 1880 e 2012. O nível do mar já subiu cerca de 20 cm, desde 1900. Os cenários para as mudanças climáticas no século XXI são dramáticos.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon e o diretor do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês), Rajendra Pachauri, apresentaram, em 01/11/2014, o mais recente relatório sobre mudança climática, alertando que os danos causados por este processo poderão ser irreversíveis, embora ainda haja formas de evitá-los.
Eles reafirmam, com base em evidências empíricas, que a influência humana no sistema climático é clara e quanto maiores forem os impactos antrópicos, maiores serão os riscos de consequências graves, amplas e irreversíveis. Nenhuma parte do mundo ficará intocada. O relatório do IPCC afirma que a mudança climática já aumentou o risco de ondas de calor severas e outros eventos extremos. O Brasil tem sofrido vários desastres climáticos nos últimos anos. O relatório também alerta que o pior está por vir, incluindo escassez de alimentos e conflitos sociais violentos.
De acordo com os cenários do IPCC, a Terra caminha atualmente para um aumento de pelo menos 4º C até 2100 na comparação com nível da era pré-industrial, o que pode levar a uma alta de 55 cm do nível do mar, somente no século XXI. Tudo isto, caso não seja evitado, provocará grandes secas, inundações, acidificação dos oceanos e extinção de muitas espécies, além de fome, populações deslocadas e conflitos inter e intra países.
Para o IPCC, o uso de energias renováveis, o aumento da eficiência energética e o estabelecimento de outras medidas destinadas a limitar as emissões custaria muito menos que enfrentar as consequências do aquecimento global. Os custos para mudar a matriz energética são muito mais baixos do que os gastos mundiais com a conta a pagar atualmente para atingir a meta ainda é possível, mas adiar a resposta aumentaria consideravelmente a fatura para as gerações futuras.
O relatório alerta que o mundo tem pouco tempo pela frente para que o aquecimento fique abaixo dos 2º C. Mas para tanto, é preciso haver negociação e cooperação entre os países. Porém, as negociações esbarram, há vários anos, no debate sobre quais países deveriam assumir o custo da redução das emissões de gases do efeito estufa, tanto aquelas procedentes dos combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão), que sustentam e energizam a economia internacional, quanto do gás metano emitido pelos imensos rebanhos da escravidão animal a serviço do apetite humano.
Portanto, a chave para destravar as ações para mitigar o aquecimento global está nas negociações internacionais, na mudança do padrão de desenvolvimento e na mudança de hábito dos consumidores. Mas ai também está o grande obstáculo, pois cada país atua em função de seus interesses próprios e os governantes, em geral, pensam no curto prazo de acordo com os ciclos eleitorais, levando a uma tragédia na busca de solução dos interesses comuns.
A "Tragédia dos Comuns" é um conceito que considera que o uso irrestrito de um recurso finito (como o ar limpo) pode levar à sua degradação por conta de uma superexploração ou manejo inadequado. A Tragédia dos Comuns é um termo que ganhou repercussão com o artigo "The Tragedy of the Commons", de Garrett Hardin, publicado em 1968. Para o autor, os regimes de propriedade comum não seriam sustentáveis, devido aos interesses antagônicos dos usuários. Isto é, a racionalidade instrumental induz os agentes econômicos e as pessoas a retirar o máximo de proveito e colocar o mínimo de esforço pelo interesse do bem comum. Quando isto acontece, o bem comum estaria condenado pela superexploração do seu uso e pela falta de defesa coletiva da sua sustentabilidade.
A eficiência econômica ajuda, mas não resolve o problema. Segundo o professor Vaclav Smil, embora cada unidade de produto e cada unidade de valor são oferecidas com uso decrescente de energia e com menos emissões, as emissões globais derivadas do uso de energias fósseis aumentaram de 1,6 gigatoneladas (Gt) de carbono em 1950 para 6,8 Gt em 2000. E entre 2000 e 2010 o ritmo do aumento se intensificou: só nessa década, foi de 35% e as emissões chegaram a 9,13 Gt (Abramovay, 2014). Portanto, a emissão de GEE continua aumentando a despeito de todos os problemas do efeito estufa e das inúmeras reuniões e conferências internacionais.
Se olharmos para a falta de resultados concretos das negociações anuais da Convenção do Clima (adotada na Rio/92), houve até agora poucos avanços. O recente acordo climático entre Estados Unidos e China pode ajudar. Temos ainda duas Conferências pela frente para chegar a um acordo real. A 20ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP20 – vai acontecer entre os dias 01 e 12 de dezembro de 2014, na cidade de Lima, Peru. Como todos os anos, o evento reunirá representantes nacionais dos países signatários da convenção. A COP-20 será de fundamental importância, por fazer parte do processo de negociação do novo acordo mundial sobre o clima que vai substituir o Protocolo de Kyoto. As discussões sobre este novo acordo começaram oficialmente na COP19, em Varsóvia, e espera-se que sejam finalizadas na COP-21, na França, em 2015.
Se houver continuidade dos efeitos danosos do modelo desenvolvimentista e consumista, a civilização humana poderá entrar em colapso e provocar a extinção em massa de outras espécies. A civilização precisa aprender a "não desprezar as coisas desprezíveis", para usar um verso do poeta Manoel de Barros (falecido em novembro de 2014).
A Terra é um Bem Comum não só do homo sappiens, mas de todos os seres vivos do Planeta. Levar em consideração o conjunto da biodiversidade só aumenta a responsabilidade atual. Como escrevi em um outro artigo: "Somos a primeira geração a sentir o impacto da mudança climática e a última geração que pode fazer alguma coisa para evitar um desastre ecológico global".
*José Eustáquio Diniz Alves é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: EcoDebate