Pós-eleição: a ressaca ambiental
*Lobo Pasolini
Como muita gente no Brasil, você deve estar com fadiga de eleição. As redes sociais amplificaram a campanha de 2014 a um volume ensurdecedor, o que por um lado é positivo, já que gerou muito debate, e por outro lado é negativo, porque o debate foi pouco sofisticado. A classe política sentiu o calor do eleitorado, que infelizmente chegou ao fim desse processo dividido e magoado. Em um dos campos, um contingente de pessoas apontava o dedo para aqueles que pensam diferente com acusações de egoísmo. O outro campo, por sua vez, fazia defesa de uma política velha por ser a única opção de mudança no momento. Cada lado se achou moralmente mais elevado do que o outro, ambos errados porque ambos os lados chegaram à corrida desgastados e cheios de vícios.
No meio de tanto barulho, ofensas e amizades desfeitas, havia um silêncio sepulcral sobre a questão do meio ambiente. Pare para pensar: você se lembra de alguma proposta concreta para proteger a natureza do Brasil? Provavelmente não, porque nenhuma foi feita. O máximo que se ouviu foi uma menção vaga a desenvolvimento sustentável, que hoje em dia não significa absolutamente nada, apenas uma fachada verde com objetivos marqueteiros.
O que mais assusta nisso é que, durante o processo de campanha eleitoral, nem o fato de São Paulo estar deslizando ao vivo rumo a uma calamidade por falta de água serviu para dar destaque ao tema. O que seria preciso, então? Combustão espontânea de pessoas? A falta de chuva no Sudeste é também consequência do desmatamento da Amazônia. A floresta alimenta as chuvas na região através do fenômeno conhecido como "rios voadores", nuvens de água vaporizada liberadas pelas árvores da Floresta Amazônica. Segundo o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), uma única árvore de dez metros de altura emite uma média de 300 litros de água por dia. Com centenas de quilômetros desmatados todo mês, imagine quanta água não está sendo perdida.
O governo de São Paulo pateticamente nega a realidade e diz que não há desabastecimento. O governo federal hipocritamente diz que não tem nada com isso. Mas tem, pois combater o desmatamento da Amazônia é sua função. No primeiro mandato de Dilma, o desmatamento voltou a crescer. Considerando a ausência do meio ambiente em seu discurso e sua conexão forte com o agronegócio, não há indícios de que será diferente nos próximos quatro anos. Espero que não. Mas com pouca pressão do seu eleitorado, cego à conexão entre pobreza e meio ambiente degradado, pode ser que Dilma seguirá com sua abordagem "business as usual" como se o planeta fosse simplesmente uma fonte inesgotável de recursos.
Para os que se importam com o futuro do planeta, que deveria ser todo mundo, resta continuar a pressão, incorporar mudanças no nosso cotidiano e manter a serenidade enquanto a grande massa de manobra dança feliz rumo ao cataclisma ambiental com seus celulares em punho.
Precisamos re-aprender a viver, desatrelar felicidade de consumo, criar novos valores e re-treinar nossos olhares. Somos partes do planeta, e não apenas visitantes nele. Mas, se continuarmos a nos comportar como estamos, em breve seremos enxotados como convidados inconvenientes de uma festa.
*Lobo Pasolini é jornalista, blogueiro e videomaker. Ele escreve sobre energia renovável e questões verdes para www.energyrefuge.com e www.energiapositiva.info
Fonte: O Tempo