Desmatamento na Amazônia: o governo perdeu a disciplina
*Paulo Barreto
Recentemente, o governo federal anunciou que o desmatamento em 2012-2013 aumentou 28% em relação ao período anterior. Apesar de a taxa ter sido a segunda menor desde que o monitoramento por satélite começou em 1988, a perda de 5.843 km2 de cobertura florestal é inaceitável. Primeiro, porque grande parte do desmatamento foi ilegal; e segundo, porque o desmatamento é irrelevante para aumentar a produção agropecuária.
O aumento, que quebrou a tendência de queda ocorrida entre 2008 e 2011, já era esperado por causa de fatores econômicos e das ações e omissões do poder público. Para que o desmatamento seja definitivamente controlado é essencial entender tais fatores e aplicar as lições aprendidas.
O índice de preços de alimentos da FAO subiu 22% entre 2011-2010 e favoreceu o aumento do desmatamento. Até 2007, o aumento dos preços estimulava o desmatamento no ano seguinte. Entretanto, os preços favoráveis não levariam necessariamente ao aumento do desmatamento. A produção poderia aumentar nas áreas desmatadas mal usadas. Nos anos em que o governo foi mais duro contra o desmatamento – 2008 a 2011 – a produção e o valor da produção agropecuária continuaram subindo, em parte, pelo aumento de produtividade.
Esta tendência poderia continuar, pois o estoque de terras mal usadas ainda é enorme. A Embrapa e o Inpe estimaram que a área de pasto subutilizado (chamados de pastos sujo e pastos com regeneração florestal) na Amazônia somaram cerca de 12 milhões de hectares em 2010 (ou o equivalente a 5,4 vezes a área do Estado de Sergipe). O bom uso de menos de 25% desta área seria suficiente para abastecer o crescimento da demanda por carne projetada pelo governo até 2022. Enfim, temos terra desmatada de sobra.
O fato de que algumas pessoas desmatam mesmo sobrando áreas desmatadas, indica que existem estímulos ao desmatamento excessivo e improdutivo. Por exemplo, alguns desmatam terras públicas para mostrar que detêm a posse da área e, se no futuro o valor da terra aumentar, eles podem vender a terra com lucro.
É relativamente barato especular ocupando terras públicas. Quem desmata ilegalmente raramente é punido e o governo raramente retoma a posse dessas terras, mesmo quando elas são mal usadas (improdutivas.). Ademais, o governo é ineficaz em cobrar o ITR, o imposto criado para inibir a especulação e o uso improdutivo das terras. Por exemplo, em 2002, o governo arrecadou apenas 6% do valor potencial do ITR segundo um analista da Receita Federal.
Ademais, o poder público estimulou o desmatamento pelos seguintes fatores.
Potencializou as ameaças ao investir e licenciar infraestrutura sem as salvaguardas. Isso ocorreu com o asfaltamento da rodovia BR-163 e com a construção das hidrelétricas em Rondônia e no Pará. A imigração e a facilitação do acesso às novas áreas florestais tende a aumentar o desmatamento. Entretanto, o governo ignorou as recomendações para reduzir o risco do desmatamento. Por exemplo, ele não criou os cerca de 15 mil quilômetros quadrados de Unidades de Conservação recomendadas pelo relatório de impacto ambiental de Belo Monte e não reforçou devidamente a fiscalização em torno das regiões das obras. Em Belo Monte, as obras continuam mesmo depois que o Ibama apontou que a construtora tem descumprido as condicionantes.
Manteve e aumentou a vulnerabilidade das florestas. O poder público tornou as florestas mais vulneráveis ao reduzir a sua proteção legal e ao não investir adequadamente. Primeiro, o poder público reduziu várias áreas protegidas, na maioria dos casos para facilitar a construção de hidrelétricas em Rondônia e no Pará. O governo de Rondônia também vem reduzindo áreas protegidas para validar ocupações. Em janeiro de 2012, o governo federal reduziu no Pará cinco áreas por meio de Medida Provisória, procedimento considerado ilegal pelo Ministério Público. Na mesma região, o governo continuou negociações para reduzir a Floresta Nacional de Jamanxim, criada em 2006.
Segundo, os governos federal e estaduais não implementaram plenamente as Unidades de Conservação (UCs) já criadas. Tais áreas devem ser destinadas para usos sustentáveis da vegetação nativa (como exploração de madeira), turismo e pesquisa. Em geral, as UCs têm sido altamente eficazes para coibir o desmatamento. Para assegurar a integridade dessas áreas seria necessário reforçar a fiscalização e retirar ocupantes ilegais. Estudo recente revelou que o desmatamento é mais alto nas Unidades de Conservação onde os conflitos fundiários persistem. Apesar de repetidas promessas, os governos não possuem plano robusto para a regularização fundiária. No caso federal, técnicos do ICMBio informaram que produziram um plano que aguarda aprovação do Ministério do Meio Ambiente.
Terceiro, o Congresso e o Executivo aprovaram um novo Código Florestal que anistia parte do desmatamento praticado até 2008. Ambos os casos são graves pelos prejuízos imediatos e por validarem a crença de que as regras ambientais fazem parte das "leis que não pegam". Essa cultura gera a expectativa de que novos desmatamentos ilegais serão perdoados no futuro e que Unidades de Conservação poderão ser reduzidas mediante pressão.
Enquanto o governo potencializou as ameaças e aumentou as fragilidades, os incentivos financeiros à conservação nas terras privadas são escassos. O Congresso autorizou, por meio do novo Código Florestal, que o Executivo crie incentivos, prioritariamente para os agricultores familiares. Porém, o governo federal ainda não sinalizou que os criará.
Enfim, o histórico recente demonstra que o combate ao desmatamento deve ser encarado como uma missão constante de maneira similar ao combate à inflação. O combate à inflação envolve estabelecer uma meta e disciplina fiscal. O combate ao desmatamento precisa de uma meta mais sensata e disciplina ambiental. A meta deveria ser zero enquanto sobrar terra mal utilizada no país. A disciplina ambiental implicaria a aplicação incessante das políticas que funcionaram e o uso de novas, como aumentar a arrecadação do ITR de imóveis improdutivos e criar os incentivos à conservação.
*Paulo Barreto é pesquisador Sênior do Imazon e mestre em Ciências Florestais pela Universidade Yale (EUA)
Fonte: O Eco