SAP Jaíba: culpado de problemas sociais?
*Maria Dalce Ricas
O Sistema de Áreas Protegidas (SAP) do Jaíba, composto por parques e reservas, pelo menos legalmente, protege cerca de 130 mil hectares de ambientes naturais na região. Recentemente, setores da Igreja Católica e de outras instituições acusaram o Governo de tê-lo criado em terras pertencentes a populações tradicionais. E afirmaram, inclusive, que essas populações utilizam os recursos naturais de forma sustentável.
Não sei como chegaram a essa conclusão, mas é muito difícil acreditar que a Mata Seca e os poucos animais silvestres que conseguem sobreviver nela ainda existiriam se não fossem os parques. O biólogo Fernando Fernandez, pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que são ingênuos aqueles que acreditam em práticas sustentáveis de populações tradicionais que cresceram em número de indivíduos e caçam com armas de fogo. Acrescente-se a isso, como é o caso do Jaíba, a exiguidade cada vez maior das áreas naturais.
Segundo a Fundação Rural Mineira (Ruralminas), a região do Jaíba perfaz cerca de 300 mil hectares. Quando essa imensa área era coberta por vegetação natural – e o Velho Chico e o Verde Grande não eram tão degradados -, talvez houvesse realmente uma chance maior de sustentabilidade. Mas, há quase meio século, isso não existe mais e a situação piora a cada dia. Quando (e se) o Projeto Jaíba estiver totalmente implantado, só restará o SAP. Difícil também acreditar que a ilha de Mata Seca e a água que ele preserva se manteriam caso fossem "exploradas sustentavelmente".
O mais certo é que, rapidamente, a Mata Seca seria transformada em carvão, trazendo dinheiro fácil, e seus animais mortos pela caça ou pela extinção de seu hábitat. Foi o que aconteceu com cerca de 1.000 hectares invadidos por grupos de "sem-terra" no governo Itamar Franco, com apoio explícito de empresas de ferro-gusa. Se a criação do SAP expropriou terras de populações tradicionais, o que significou então a entrega de terras pela Ruralminas a grandes proprietários e o próprio projeto que já destruiu milhares de hectares?
Não se pode simplificar o problema atribuindo às unidades de conservação culpa de mazelas sociais. Por coerência, o projeto Jaíba teria de ser extinto, as grandes fazendas retomadas, a Mata Seca teria de ser recuperada (sem fogo, estima-se que isso demore, no mínimo, 100 anos), recriando as condições naturais da região. Talvez, aí sim, possa-se falar em alguma sustentabilidade, que, claro, baseia-se em viver à moda antiga: nada de desmatamento, captura de animais silvestres para tráfico, caça com armas de fogo, incêndios etc.
Perigosamente a essa postura antropocentrista e simplória, aliam-se setores governamentais e políticos de "plantão", que não têm conhecimento, sensibilidade, preocupação e respeito com a proteção de nossas "moitas" florestais e com a biodiversidade animal. Do nosso lado, não podemos ignorar a necessidade de solução dos problemas sociais, o que não deve ser difícil, diante das montanhas de dólares que o poder público já gastou no Projeto Jaíba. Segundo relatório recente da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), mais da metade dos lotes da Etapa 1 estão paralisados.
*Maria Dalce Ricas é superintendente executiva da Amda
Fonte: revista Ecológico