Opinião

Marcha contra a poluição

*Miriam Leitão

A questão ambiental é um problema econômico e político. Se alguém duvida, olhe o que aconteceu na China nas últimas horas para mudar de ideia. Na reunião do que eles chamam de Congresso, o novo primeiro- ministro, Li Keqiang, declarou "guerra à poluição" e a equiparou à luta contra a pobreza. Para cumprir o que promete, terá que fazer outra longa marcha.

De 2004 a 2011, o investimento em energia limpa subiu 31% no mundo e 57% na China. Lá saiu de US$ 2,2 bilhões para US$ 52 bilhões por ano. Em 2012, US$ 63,8 bilhões e no ano passado, segundo dados da Bloomberg New Energy Finance, houve a primeira queda em uma década. A China investiu US$ 61,8 bilhões, menos 3,8% do que no ano anterior; no mundo, caiu 12% e na Europa, 41%. Considera-se energia limpa eólica, solar, biomassa, pequenas hidrelétricas, geotérmica e marés, mas não as grandes hidrelétricas. A China tem a maior capacidade instalada das novas renováveis.

A má notícia é que ainda tem uma gigantesca dependência da pior das energias fósseis: 69% vêm do carvão. E a segunda fonte na matriz é petróleo. A China vive essa dicotomia. É o país onde mais crescem as fontes de energia limpa e o que mais emite gases de efeito estufa. No fluxo, crescem as energias limpas com a força dos subsídios e investimentos; mas o estoque a condena: a China construiu seu crescimento sobre o carvão farto, barato e sujo. O carvão ou as siderúrgicas e cimenteiras movidas a carvão garantem o emprego de milhões de chineses e não há substituto imediato.

Por coincidência, a reunião anual do Congresso Nacional do Povo acontece quando o país está submerso numa nuvem de poluição que chegou ao nível máximo que acendeu a luz vermelha. Crianças são retidas em casa, as vendas de máscaras e purificadores do ar dispararam.

Li Keqiang, no discurso que fez, prometeu lutar contra a poluição com a mesma determinação com que o país enfrentou a pobreza. E criticou o modelo econômico cego e ineficiente que exige reformas.

O combate às emissões é emergencial, mas além disso, no primeiro discurso, Keqiang deu várias outras notícias. Manteve a proposta de crescimento para dentro. A meta de inflação ficou em 3,5% porque "nós não podemos baixar a nossa guarda, para que o aumento dos preços não produza efeito negativo na vida do povo". Disse que o desenvolvimento chinês atingiu "zona de águas profundas" e, por isso, é preciso "quebrar os grilhões mentais". Palavras fortes para propor mais espaço para o setor privado em todas as áreas, inclusive na financeira.

Uma das propostas que apresentou ao Congresso do Povo foi permitir a capitais não estatais participarem de projetos em áreas como bancos, petróleo, eletricidade, ferrovias, telecomunicações, desenvolvimento de recursos naturais e serviços públicos.

Ele informou também que a China continuará a negociar acordos de investimento com os Estados Unidos e União Europeia, e vai acelerar conversas sobre livre comércio com Coreia, Austrália e Conselho de Cooperação do Golfo. Atenção: a Austrália é produtora de minério de ferro, nosso principal produto de exportação para a China.

Como parte da reciclagem da economia chinesa na marcha contra a poluição, o primeiro-ministro prometeu reduzir a capacidade de produção da siderurgia obsoleta em 27 milhões de toneladas métricas de aço e das fábricas velhas de cimento em 42 milhões de toneladas métricas. Nos próximos anos, a China vai fechar 50 mil pequenas caldeiras a carvão e instalar equipamentos de retirar o enxofre das térmicas a carvão. Seis milhões de veículos velhos serão recolhidos. Se fizer tudo isso, ainda será insuficiente. A poluição é o centro do problema chinês.

*Miriam Leitão é jornalista

Fonte: O Globo