Opinião

O aquecimento global é a febre que denuncia a doença da Terra

*Leonardo Boff

Há negacionistas da Shoah (eliminação de milhões de judeus nos campos nazistas de extermínio) e há negacionistas das mudanças climáticas da Terra. Os primeiros recebem o desdém de toda a humanidade. Os segundos veem, dia a dia, suas convicções sendo refutadas por fatos inegáveis. Só se mantêm coagindo cientistas para não dizerem tudo o que sabem, como foi denunciado por diferentes e sérios meios alternativos de comunicação. É a razão ensandecida que busca a acumulação de riqueza sem qualquer outra consideração. Em tempos recentes, temos conhecido eventos extremos da maior gravidade: Katrina e Sandy nos Estados Unidos, tufões terríveis no Paquistão e em Bangladesh, o tsunami no sudeste da Ásia, o tufão no Japão que danificou as usinas nucleares em Fukushima e, ultimamente, o avassalador tufão Haiyan, nas Filipinas, com milhares de vítimas.

Nos últimos meses, quatro relatórios oficiais de organismos ligados à ONU lançaram veemente alerta sobre as graves consequências do crescente aquecimento global. Com 90% de certeza, esse é comprovadamente provocado pela atividade irresponsável dos seres humanos e dos países industrializados. Todos são unânimes em afirmar que não estamos indo ao encontro do aquecimento global: já estamos dentro dele.

Poucas semanas atrás, a secretária executiva da Convenção do Clima da ONU, Christina Figueres, em plena entrevista coletiva, desatou em choro incontido ao denunciar que os países quase nada fazem para a adaptação e a mitigação do aquecimento global. Yeb Sano, das Filipinas, na 19ª Convenção do Clima em Varsóvia, ocorrida entre 11 e 22 deste mês, chorou também, diante de representantes de 190 países, quando contava o horror do tufão que dizimou seu país, atingindo sua própria família.

Os representantes desses países já trazem no bolso as instruções previamente tomadas por seus governos, e os grandes dificultam por muitos modos qualquer consenso. Lá estão também os donos do poder no mundo. Todos querem que as coisas continuem como estão. É o que de pior nos pode acontecer, porque então o caminho para o abismo se torna mais direto e fatal. Por que essa irracional oposição?

Esse caos ecológico é tributado ao nosso modo de produção, que devasta a natureza e alimenta a cultura do consumismo ilimitado. Ou mudamos nosso paradigma de relação para com a Terra e para com os bens e serviços naturais, ou vamos irrefreavelmente ao encontro do pior. O paradigma vigente se rege por esta lógica: quanto posso ganhar com o menor investimento possível, no mais curto lapso de tempo, com inovação tecnológica e com maior potência competitiva? A produção é para o puro e simples consumo, que gera a acumulação; este, o objetivo principal. A devastação da natureza e o empobrecimento dos ecossistemas aí implicados são meras externalidades (não entram na contabilidade empresarial). Como a economia neoliberal se rege estritamente pela competição e não pela cooperação, estabelece-se uma guerra de mercados, de todos contra todos. Quem paga a conta são os seres humanos (injustiça social) e a natureza (injustiça ecológica). Ocorre que a Terra não aguenta mais esse tipo de guerra total contra ela. O aquecimento global é a febre que denuncia a doença. O planeta está gravemente doente.

Ou começamos a nos sentir parte da natureza, e então a respeitamos como a nós mesmos, passando do paradigma da conquista e da dominação para aquele do cuidado e da convivência, e produzimos respeitando os ritmos naturais e nos limites de cada ecossistema, ou então preparemo-nos para as amargas lições que a mãe- Terra nos dará. Não está excluída a possibilidade de que ela já não nos queira mais sobre sua face e se liberte de nós como nos libertamos de uma célula cancerígena. Ela continuará, coberta de cadáveres, mas sem nós. Que Deus não permita semelhante e trágico destino.

*Leonardo Boff é teólogo e professor emérito de ética da UERJ

Fonte: O Tempo