Beagles, um chargista e um ex-secretário
*Efraim Rodrigues
Todos vimos os cachorrinhos sendo soltos das jaulas e a primeira impressão, de liberdade, foi muito boa, mas em um segundo momento percebemos que foram destruídas pesquisas de longo prazo para doenças que afligem muitas pessoas, que devem ter ficado ainda mais aflitas com aquela cena.
De forma parecida, o chargista Glauco Villas Boas foi assassinado em 2010 por um dos drogaditos que ele tentava tratar com a melhor das intenções, mas sem conhecimento adequado dos riscos envolvidos.
A boa intenção só fará alguma diferença no mundo se for acompanhada de conhecimento e dedicação de longo prazo, de aprofundamento.
Entre os dois clichês, "O que vale é a intenção" e "O inferno está cheio de gente bem intencionada", fico com o segundo. A ingenuidade é um mal tão grande quanto a falta de boa intenção.
Na última terça feira, Xico Graziano publicou artigo no Estado de São Paulo enaltecendo as qualidades médicas e agrícolas de Ronaldo Caiado e chamando Marina Silva de dengosa, por não se dispor a "dialogar" com ele. Como não conheço Xico Graziano pessoalmente, não posso dizer se ele é ingênuo ou se lhe falta boa intenção. O artigo, no entanto, não permite escapar de ao menos uma delas.
Diálogo implica disposição para mudar. Não vejo esta inclinação nem no histórico da direita ruralista que Caiado lidera, assim como também espero não ver Marina Silva "dialogando" com a banda menos ética dos produtores rurais.
O artigo de Graziano é tão superficial que nem mesmo consegue acertar a especialidade médica de Caiado, a ortopedia, trocada alí pela neurologia, mas este não é seu pior erro. Sua maior ingenuidade é imaginar que Marina poderia ter algum lucro com isto, ou que uma ponte agro-ambiental poderia ser construída desta forma.
A ponte agro-ambiental é construída dia a dia pelos pequenos e médios produtores rurais, que enxergam o valor de longo prazo de sua propriedade, e cuidam dela com dedicação de longo prazo, aprofundamento e gosto pelo detalhe, e assim produzem bem mais que a metade dos produtos agrícolas deste país, empregando um contingente enorme de pessoas, não uns poucos operadores de combinadas para cada milhar de hectares.
Só os ingênuos ainda não perceberam que além de destruir menos, as pequenas e médias propriedades rurais empregam mais e como seus proprietários têm contato mais íntimo com sua pouca terra, terminam também por cuidar mais dela.
Marina Silva não parece ser ingênua. Optou pela fidelidade à sua história, assim como pelos votos dos produtores rurais menores.
*Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim@efraim.com.br) é Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa FODEPAL da FAO-ONU, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores. Também ajuda escolas do Vale do Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha em adubo orgânico e a coletar água da chuva. É professor visitante da UFPR, PUC-PR, UNEB – Paulo Afonso e Duke – EUA. http://ambienteporinteiro-efraim.blogspot.com/
Fonte: EcoDebate