Escala da negação
*Efraim Rodrigues
São raros os momentos em que os alunos nos dão a honra de discordar, e por isso trato estes momentos com muita atenção. Na semana passada recebemos na UEL alguns pesquisadores do clima de várias instituições brasileiras.
Logo depois começaram a chegar perguntas pelo facebook
– Professor, tem um gráfico aqui mostrando que não subiu tanto.
– Claro, eles cortaram o gráfico em 1960. Não se leva um bebê para o pediatra pesar todo dia. Dia a dia ele pode até perder peso.
– Professor, tem outro gráfico dos últimos 400.000 anos também mostrando que a temperatura flutua, mas não sobe.
– Da mesma forma, você levaria seu bebê para o pediatra a cada 150 anos?
O aquecimento do clima diz respeito a um fenômeno, que é a entrada de carbono na atmosfera após a revolução industrial, e esta é a escala correta para medir este fenômeno. Também pode medir outro fenômeno, a alteração da temperatura do planeta em ciclos de centenas de anos, e você notará que a Terra vinha se resfriando, muito lentamente, na revolução industrial, quando começamos a lançar carbono na atmosfera e daí ela passa a subir muito rapidamente.
Para "apelar" para raios cósmicos de galáxias distantes, ou outras explicações, precisaria demonstrar o fenômeno, matar a cobra e mostrar o pau, e isto até agora ninguém fez.
Este tema levanta o ânimo dos alunos porque eles enxergam a relação com nosso estilo de vida. Todos outros também se relacionam, mas neste em particular fica mais claro, pela presença marcante na mídia.
Todo trauma tem sua fase de negação. Até o sagaz Steve Jobs morreu, por gastar tempo negando sua doença grave, quando deveria estar agindo. Estamos fazendo o mesmo, estudantes de agronomia, baristas, bateristas, babalorixás e cobradores de ônibus.
Para os outros não sei dizer, mas a produção de alimentos terá que adequar-se a um tempo mais agressivo para as plantas, com chuvas mais concentradas e temperaturas mais altas. A viticultura já começou a mover-se em direção aos pólos e para morros mais altos. Enquanto o resto da agricultura não se move, pode aumentar sua resiliência seguindo o receituário mais repetido e menos seguido do mundo: correção de solos e matéria orgânica para criar raízes fortes que ajudam a planta passar por períodos difíceis com menor perda de produção. Rotação de culturas para evitar a multiplicação de doenças e exaustão do solo.
Aos profissionais, capacitação conceitual e conexões poderosas para perceber mudanças no sistema e reagir adequadamente a elas.
*Efraim Rodrigues (efraim@efraim.com.br) é Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa FODEPAL da FAO-ONU, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores. Também ajuda escolas do Vale do Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha em adubo orgânico e a coletar água da chuva. É professor visitante da UFPR, PUC-PR, UNEB – Paulo Afonso e Duke – EUA. http://ambienteporinteiro-efraim.blogspot.com/
Fonte: EcoDebate