Depois de Belo Monte, Belo Sun é a nova ameaça à Volta Grande do Xingu
O Projeto Volta Grande, da empresa canadense Belo Sun, “pretende ser a maior mina de exploração de ouro no país”, com a extração de minérios no município de Senador José Porfírio, no estado do Pará, a cem quilômetros de distância do Rio Xingu, que já teve sua “vazão reduzida em 80% devido ao barramento e desvio da água destinada às operações da hidrelétrica de Belo Monte”, informa Carolina Reis à IHU On-Line.
O Programa Xingu visa contribuir com o ordenamento socioambiental da Bacia do Rio Xingu, através da articulação de parcerias e promoção de diálogos intersetoriais para o desenvolvimento de projetos voltados à proteção e sustentabilidade dos 26 povos indígenas e das populações ribeirinhas que habitam a região, à viabilização da agricultura familiar, à adequação ambiental da produção agropecuária e à proteção dos recursos hídricos.
Carolina Piwowarczyk Reis é advogada e responsável pelo setor de monitoramento do impacto das obras de infraestrutura da Usina Hidrelétrica de Belo Monte no Programa Xingu, desenvolvido pelo Instituto Socioambiental – ISA.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais informações você tem sobre a empresa canadense Belo Sun? Desde quando a empresa está em negociação para atuar no Brasil?
Carolina Reis – A Belo Sun integra o portfólio da Forbes & Manhattan Inc., um banco mercantil de capital privado, que desenvolve projetos de mineração. Desde 2008, a empresa realiza pesquisas na região da Volta Grande do Xingu com intenção de explorar recursos minerários.
IHU – Em que consiste esse projeto de mineração da Belo Sun na Volta Grande do Xingu?
CR – O Projeto Volta Grande pretende ser a maior mina de exploração de ouro do país. Localizada na Volta Grande do Xingu, no município de Senador José Porfírio (PA), a área está no trecho de aproximadamente cem quilômetros do Rio Xingu que teve sua vazão reduzida em 80% devido ao barramento e desvio da água destinada às operações da hidrelétrica de Belo Monte. Povos indígenas serão duramente impactados pelos dois empreendimentos. A mina encontra-se a apenas 9,5 km da Terra Indígena Paquiçamba e a 13,7 km da TI Arara da Volta Grande do Xingu.
IHU – Já há previsão de a mineradora começar a operar?
CR – Ainda não há previsão para o início da instalação. O Projeto Volta Grande possui apenas a Licença Prévia emitida pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará. Espera-se que a licença só seja emitida após a atualização do Estudo de Impacto Ambiental – EIA-Rima, com uma revisão dos estudos que contemple a sinergia e acumulação de impactos com Belo Monte, já que isso não foi considerado nos estudos. Os impactos não previstos e indiscutivelmente presentes da desestruturação socioeconômica da região também devem ser considerados. Deve haver um projeto de mitigação, prevenção e compensação de todos esses impactos apresentados e aprovados antes da concessão de qualquer licença de instalação para a mineradora.
IHU – Segundo informações do Instituto Socioambiental – ISA, a empresa Belo Sun pretende instalar uma mina de ouro com uma barragem de rejeitos maior que a que rompeu e causou a tragédia de Mariana. Como a comunidade da Volta do Xingu recebeu essa notícia?
CR – Apesar de qualificar como alto o risco de ruptura dessa represa, a mineradora não informa suas possíveis consequências para índios e ribeirinhos. Ao analisar o EIA-Rima de Belo Sun, foi possível calcular que, em 12 anos, a estimativa é que serão extraídas 600 toneladas de ouro pela empresa. Ao final da exploração, a iniciativa prevê deixar duas pilhas gigantes de material estéril que, somadas, terão 346 hectares, com altura média de 205 metros e 504 milhões de toneladas de rochas. Uma montanha duas vezes maior do que o Pão de Açúcar, recheada de material quimicamente ativo, à beira do Rio Xingu.
Essa barragem de rejeitos conterá altas concentrações de arsênio, chumbo e cianeto, componentes não inertes quimicamente, que podem reagir com o meio ambiente e deixar prejuízos incalculáveis. Assim, o eventual rompimento da barragem de rejeitos de Belo Sun poderia ser pior do que o acidente de Mariana, pois a lama que vazaria é mais perigosa. O risco de um desastre sem precedentes no Rio Xingu é alarmante e causa grande preocupação à população da Volta Grande e à sociedade civil.
IHU – Também não tem havido negociação da empresa com as comunidades indígenas que moram na região?
CR – Em junho de 2014, a Justiça Federal suspendeu o licenciamento ambiental do projeto de mineração até que a Belo Sun entregasse os estudos de impactos sobre as populações indígenas. A empresa conseguiu derrubar a decisão, mas os índios querem ser consultados sobre o empreendimento antes que o licenciamento avance. Uma das preocupações é com o risco de contaminação do rio com eventual rompimento da barragem de rejeitos, já que as Terras Indígenas estão muito próximas à área de influência direta do empreendimento.
IHU – Que informações você tem sobre Estudos de Impacto Ambiental da Belo Sun? Tais estudos foram realizados e apresentados?
CR – Os Estudos de Impacto Ambiental de Belo Sun foram realizados e apresentados com defeitos e omissões, entre eles a desconsideração das alterações provocadas por Belo Monte e a ausência de análise de impactos sobre os povos indígenas. Tendo em vista que o Projeto Volta Grande localiza-se na Área Diretamente Afetada – ADA e na Área de Influência Direta – AID de Belo Monte, a análise de viabilidade do empreendimento deveria se pautar em diagnóstico considerando o ambiente já alterado pela hidrelétrica.
Entretanto, o EIA do empreendimento baseia-se em dados e observações de campo realizadas até 2011 e em compilação de dados secundários disponíveis em bibliografia e em outros estudos. Ou seja, o EIA parte de descrição do ambiente como ele se encontrava à época, e não de descrição do ambiente como ele se encontrará à época da instalação e operação do projeto.
A Volta Grande vem sofrendo e continuará a sofrer modificações ambientais diretas provocadas por Belo Monte e sujeita a impactos imprevisíveis, que poderão ser avaliados e mitigados somente quando concluído monitoramento de seis anos após o início da operação da hidrelétrica. É impossível realizar prognóstico de impactos do projeto de mineração num ambiente que sequer se sabe como se comportará no futuro próximo.
Os estudos dos impactos sobre os povos indígenas estão sendo realizados por determinação judicial, após o Ministério Público Federal ingressar com uma Ação Civil Pública.
IHU – Ainda segundo informações do ISA, o empreendimento da Belo Sun também não será fiscalizado pelo Ibama. É possível saber por quais razões?
CR – O licenciamento de Belo Sun está sendo realizado pelo estado do Pará e, em 2013, o ISA apresentou uma nota técnica que conclui que o licenciamento deveria ser responsabilidade do governo federal, assim como foi o licenciamento da usina. O Ministério Público Federal – MPF também briga na Justiça para que o projeto seja avaliado pelo Ibama. Ocorre que, como já disse, o empreendimento afeta diretamente Terras Indígenas, caracterizando-se como de alta complexidade técnica, capaz de provocar alto impacto ambiental, com interações diretas com outro empreendimento, de interesse da União – no caso, Belo Monte.
IHU – Como o governo federal e o governo do Pará têm se posicionado sobre essa situação?
CR – O governo do estado afirma que somente irá conceder a licença de instalação se for atestada a regularidade fundiária, ambiental e social do projeto e que ainda há pendências de condicionantes da Licença Prévia de 2014 para analisar, mas que irá dialogar com os estudos do componente indígena apresentados pela Fundação Nacional do Índio – Funai. O governo federal tem sinalizado posição favorável à instalação do empreendimento. O Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, órgão federal, aprovou o plano de aproveitamento econômico de Belo Sun, no primeiro semestre de 2016, para a aprovação da concessão pelo Ministério de Minas e Energia – MME.
IHU – Que impactos ambientais e sociais se vislumbram com o início das operações de Belo Sun?
CR – Se Belo Sun vier a se instalar, diversos impactos socioambientais deverão se configurar, como aumento da pressão demográfica, risco de contaminação da água, impactando a fauna e a pesca e agravando impactos que a Volta Grande já está sofrendo nos meios físico, biótico, na navegabilidade e na manutenção dos modos de vida das populações indígenas e ribeirinhas.
IHU – Deseja acrescentar algo?
CR – É preciso uma atenção ao cenário de grande transformação social que a Volta Grande já vem sofrendo com a implantação de Belo Monte. A Vila da Ressaca, no município de Senador José Porfírio, onde o projeto de Belo Sun pretende se instalar, terá que ser removida para a construção da mina. O local possui, hoje, centenas de garimpeiros sem fonte de renda após o fechamento do garimpo artesanal. Cerca de 300 famílias moram no povoado, que tem parte do território definido como projeto de assentamento rural da reforma agrária. Além da atividade do garimpo, os moradores dependem da roça e da pesca para subsistência, esta já bastante alterada pela instalação de Belo Monte.
Em meio a esse cenário de dificuldades e desassistidos por qualquer compensação nas atividades econômicas, a empresa Belo Sun vem distribuindo, na Vila da Ressaca, folders com a chamada “Diálogo com as comunidades”, no qual afirma que a empresa quer propor o “diálogo” a respeito de três alternativas para a população: indenização monetária, realocação ou permanência nas vilas para quem quiser “pensar e tomar sua decisão sem pressa”, já que a mina levará ainda três anos para ser construída.
Partindo da ideia de que Belo Sun já é um fato consumado, que irá acontecer e só aguarda aval do governo estadual, a empresa, de maneira ilegal, distribui folders sobre processo de reassentamento, remoções e intenta iniciar processo de convencimento e negociações com a população a ser expulsa de seu território. Em fase de Licença Prévia, Belo Sun não possui autorização para iniciar qualquer processo de negociação, discutir valores de indenização ou propagandear propostas de reassentamento. Essa postura ilegal denota o desrespeito à legislação do licenciamento ambiental e pretende desagregar os laços comunitários, criando falsas expectativas e um processo grave de desmobilização social.
Fonte: Portal EcoDebate