Entrevistas

Uma vida dedicada aos animais

Uma vida dedicada aos animais
Crédito: arquivo pessoal

“Minas Gerais é um verdadeiro Talibã em relação aos Direitos Animais”. A frase, originalmente dita por um professor de direito, foi usada por Adriana Araújo, integrante do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais (MMDA), para exemplificar a atual situação do estado em relação aos direitos dos animais sencientes. Ela comprova citando que, apesar de enorme demanda por ampla legislação, Minas conta somente com duas leis estaduais em prol dos bichos: proibição de animais em circos (Lei MG nº 159/2014) e Manejo Populacional Ético de Cães e Gatos pelos municípios, impedindo o extermínio pelos Centros de Controle de Zoonoses (CCZ) e o encaminhamento desses seres à experimentação animal nas universidades (Lei MG nº 21.970/2016).

Adriana foi a convidada da Amda na Terça Ambiental de maio, que tratou sobre os direitos animais. Confira a entrevista:

Amda – Você foi uma das fundadoras do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais. O que a motivou?

Adriana Araújo – Sim. Os motivos foram a necessidade de integrarmos forças pelo objetivo em comum, a defesa e proteção dos animais; ampliarmos nossa atuação em prol do máximo de espécies possível, para além de cães e gatos e expor à população, imprensa e poder público que somos muitos cidadãos / eleitores / consumidores que dedicam parte de suas vidas para salvar outras, requerendo políticas públicas, produtos, eventos etc que considerem o respeito aos animais.

Amda – Em sua opinião, as ações da Delegacia de Proteção Animal fizeram diferença na luta pela proteção dos animais? Explique por favor.

Adriana Araújo – A Delegacia de Proteção Animal é integralmente fruto do ativismo animalista que, por meio de intensa mobilização, obteve 56.000 assinaturas expressas (e não virtuais, petição online) em escolas, feiras, eventos etc. Tais assinaturas foram entregues ao Governo de Minas Gerais à época e a instituição foi criada seis meses depois. Entretanto, até hoje, quase quatro anos após ser criada, não atende à demanda, não temos notícia de nenhum resultado positivo para os animais. Ao contrário, tem sido motivo de deboche e de indignação por parte da população que a ela recorreu. Falta estrutura e, principalmente, pessoal vocacionado e capacitado para que, realmente, tenhamos uma Delegacia de Proteção Animal.

Amda – Um dos assuntos mais polêmicos envolvendo animais é a venda de bichos no Mercado Central de Belo Horizonte, devido aos maus tratos representados pelo estresse resultante das condições em que ficam aprisionados. Os comerciantes, apesar da luta constante de inúmeras entidades para proibi-la, conseguiram até agora impedir isto. Em sua opinião, quais são as forças políticas que têm garantido sua permanência? O que você diria para os cidadãos que ainda compram animais no Mercado?

Adriana Araújo – A maior força política que fomenta a continuidade do condenado comércio de animais vivos no Mercado Central de Belo Horizonte é a omissão generalizada do poder público: Prefeitura (Prefeito e Secretarias de Saúde e de Meio Ambiente); Vereadores que têm como competência não só criar leis, mas também de fiscalizar o Poder Executivo; CFMV e CRMV; IBAMA; IMA e Ministério Público.

Merecem denúncia: a manipulação de Vereadores para derrubar quóruns e finalmente derrubar e arquivar os dois Projetos de Lei que tramitaram na Câmara Municipal de Belo Horizonte (PL 559/2009 e PL 2178/2012), visando proibir esse comércio de vidas que tanto compromete um dos maiores pontos turísticos da capital mineira e também o descumprimento da Resolução CFMV nº 1069/2014 pelo Mercado Central (e outros comércios de animais) e a falta de fiscalização do CRMV. Tal normativa define regras rigorosas para a comercialização de animais vivos, impossíveis de serem cumpridas pelo Mercado Central de Belo Horizonte.

Esse perverso comércio perdura também muito em função de ainda haver pessoas que o financiam, assim, nosso clamor é para que esses cidadãos conscientizem-se disso, deixando de ser coniventes com sua continuidade, ao refletir não só sobre a crueldade de manter-se animais naquelas condições (sem luz solar, sem ventilação, sem espaço adequado, doentes etc), mas também questionando sobre a origem desses e sobre como as matrizes são mantidas. É amplamente sabido sobre a quantidade de animais vendidos lá doentes, que vêm a falecer logo após a compra, causando não só prejuízos financeiros, risco à saúde das pessoas, sofrimento das pessoas que se afeiçoam aos animais, mas um grande estresse. Lembramos ainda que Belo Horizonte conta com quase 40.000 cães e gatos abandonados nas ruas e que o comércio é um dos grandes agravantes dessa realidade. Nossa proposta é a adoção responsável de cães e gatos, por meio de ONGs e eventos que acontecem semanalmente, em toda BH.

Há que se destacar também que tal comércio coloca em risco a vida dos animais explorados lá e também a saúde humana, devido à incompatibilidade sanitária de se manter animais vivos (com suas fezes, piolhos, pulgas, urina, vômito, penas, pelos, ração que atrai ratos e baratas etc) onde também comercializa-se e consome-se alimentos para humanos. Maior prova desse risco é o fato do Código Municipal de Saúde, de 1996, manter-se totalmente desatualizado, comprometendo a saúde pública de Belo Horizonte em geral, pelos conflitos internos na Prefeitura de Belo Horizonte, onde a defesa dos técnicos conflita com os interesses políticos, em detrimento da população.

Amda – O mar de lama decorrente do rompimento da barragem da Samarco, no ano passado, deixou um rastro de destruição por onde passou. Centenas de animais domésticos foram mortos e muitos encontrados em tristes condições. Diversas pessoas e instituições se uniram para resgatá-los e encaminhá-los a novas moradias. Como você descreve a situação? A Samarco e algum órgão público apoiou as ações de resgate e assistência?

Adriana Araújo – A maior tragédia ambiental do Brasil, e uma das maiores do mundo – resultado do descaso do poder público e mineradoras com o meio ambiente e também do consumo excessivo e inconsequente da população em geral – matou, intoxicou e expôs a intenso sofrimento não só animais domésticos, mas também silvestres – terrestres e aquáticos. Devido à grande mobilização, controle social e exercício de cidadania do ativismo animalista por esses seres sencientes, com participantes de várias partes do Brasil e alguns até do exterior, a Samarco e o Ministério Público acolheram nossas reivindicações em prol da fauna doméstica de pequeno e grande porte. A Samarco, por meio de TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) elaborado pelo GEDEF / MPMG (Grupo Especial de Defesa da Fauna do Ministério Público MG) disponibilizou transporte, contratou técnicos vocacionados indicados por nós para lidar com os animais, disponibilizou abrigo adequado, custeou a medicação / vacinação / castração / microchipagem dos animais e promoveu a devolução de parte desses aos seus tutores originais, bem como evento de adoção responsável destinando os demais a novos tutores. Infelizmente, quanto à fauna silvestre, não temos informação de ações destinadas a ela.

Amda – Atualmente, o Movimento está focado na proibição dos rodeios em Contagem. Quantos municípios já proibiram isto? Qual é sua avaliação sobre conseguir proibição por lei estadual em todo o estado? Supomos que os interesses econômicos constituem-se no maior obstáculo. Você pode falar sobre isto? Na ALMG, você destacaria parlamentares que apoiam o movimento e que apoiam estas práticas de crueldade?

Adriana Araújo – Infelizmente, em Minas Gerais, por mais que a prática dos rodeios esteja a cada dia mais condenada, por ora, somente Juiz de Fora e Santos Dumont proibiram rodeio. Entretanto, neste último, tão logo o prefeito ter sancionado a lei, por pressão do ativismo animalista, no período eleitoral, assim que foi reeleito, ele a revogou… Em Contagem, após intensa mobilização de escolas, instituições diversas e, obviamente, do ativismo animalista, conseguimos aprovar por unanimidade dos Vereadores o PL 74/2013 que proíbe rodeios no município. Não obstante, em decorrência de manobras do Prefeito e do Presidente da Câmara Municipal e de reiterados pedidos de vistas, refletindo na instigante mudança de opinião de Vereadores que inicialmente votaram a favor desse PL, o referido projeto foi vetado e mantido esse veto. A pergunta que grita é: o que fez tais Vereadores sucumbirem a tais manobras, mantendo Contagem na condição de extremo atraso, ao invés de investirem em eventos realmente culturais que promovam a evolução do povo?

Bem diferente dessa realidade está o Estado de São Paulo, onde mais de 20 municípios já se livraram dos rodeios, reconhecendo não só a exploração a que os animais são expostos, mas também o estímulo ao embrutecimento e violência da população – que em nada contribuem para a evolução dessa -, bem como os graves riscos de vida a que os peões são expostos, tudo isso em prol do lucro de poucos empresários. Destacamos que, devido várias provas de maus tratos, a argumentos consistentes de juristas, promotores de justiça e acadêmicos, já foram proibidas três tipos de provas em Barretos. A proibição dos rodeios é um caminho sem volta, uma questão de tempo, assim como as touradas na Europa estão em vertiginosa decadência! Muitas pessoas atualmente, quando ainda insistem em financiar essa cruel prática, esquivam-se e envergonham-se justificando que vão pelos shows musicais, e não mais pelos rodeios… Em Minas Gerais, a demanda pela proibição é grande, obviamente, além dos interesses econômicos dos poucos empresários, chegam-nos pedidos de todo Estado para que apresentemos Projetos de Lei. Obviamente, além dos poucos empresários que lucram com essa prática, há certamente parlamentares e representantes do Poder Executivo, em nível municipal e estadual, que atuam com esses empresários, em detrimento dos animais e da população. A solução para superarmos esse desafio é a conscientização do eleitorado e o exercício de sua cidadania junto aos seus eleitos, reivindicando a proibição do rodeio e afins em toda Minas Gerais!

Amda – Como tem sido a atuação do Movimento na reivindicação de políticas públicas que defendam e protejam os animais e quais os desafios ou obstáculos encontrados para que as políticas de fato existam e sejam cumpridas? Você destaca algum município em Minas que tenha adotado ações efetivas de proteção aos animais através de políticas de castração de cães e gatos, abrigos, educação ambiental, fiscalização e punição contra crueldade com animais que puxam carroças? E no Brasil? Há exemplos que possam ser citados?

Adriana Araújo – A maior frente de atuação do MMDA é estimular o exercício da cidadania da população em geral junto ao poder constituído, reivindicando leis, órgãos e políticas públicas de defesa e proteção animal. Por meio de rigoroso controle social, constante busca do diálogo com todos os três poderes e com o Ministério Público, intensa participação popular e construção coletiva, empenhamo-nos há 10 anos em mudar de forma ampla e definitiva a realidade de exploração e maus tratos aos animais não humanos.

Nossos maiores desafios têm sido a presença de ocupantes de cargos de decisão em todos esses poderes que ignoram seu dever de cumprir a CF 1988, art. 225, §1º, inciso VII, quanto ao respeito a esses seres sencientes, os animais não humanos, profissionais não vocacionados e não qualificados a atuar por eles, bem como devido à parte da população ainda ignorar seu direito enquanto eleitor de reivindicar o respeito aos animais a esse poder constituído, diminuindo assim, de certa forma, a pressão popular. Destacamos, entretanto, a presença de bons parceiros em alguns órgãos do poder público e o célere crescimento da politização do ativismo animalista, que têm garantido grandes conquistas coletivas em prol dos animais!

Infelizmente, como disse um professor de direito, “Minas Gerais é um verdadeiro Talibã em relação aos Direitos Animais!” Prova disso é que, apesar de enorme demanda por ampla legislação, nosso Estado conta somente com duas leis estaduais em prol dos animais: proibindo animais em circos (Lei MG nº 159/2014) e dispondo sobre o Manejo Populacional Ético de Cães e Gatos pelos municípios, proibindo o extermínio pelos Centros de Controle de Zoonoses (CCZ) e o encaminhamento desses seres sencientes à experimentação animal nas universidades (Lei MG nº 21.970/2016). Caminham na vanguarda os municípios de Itabirito e Conselheiro Lafaiete, quanto ao manejo populacional ético de cães e gatos e Juiz de Fora, quanto à proibição de cavalos escravizados em Carroças. Já Belo Horizonte vem mantendo-se na “lanterninha” quanto às políticas públicas em prol dos animais… Quanto aos cavalos, enquanto Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Alagoas, Vitória e Brasília já proibiram a ultrapassada e condenada prática do uso de carroças, a capital mineira sequer cumpre a Lei municipal 10.119/2011, a qual regulamenta o uso de cavalos em carroças e para monta. Enquanto várias capitais criaram Secretarias de Proteção Animal, em Belo Horizonte, a lei de criação da Coordenadoria de Proteção Animal avança para dois anos descumprimento… Temos em média 40.000 cães e gatos abandonados pelas ruas de BH! E o que dizer do descaso com as capivaras, com os animais encarcerados no zoológico, no perverso corredor da crueldade do Mercado Central etc?

Concluo conclamando todos, população em geral, empresas, instituições, escolas, religiões e, principalmente, o poder público a exercerem sua cidadania e executarem o que lhes compete para construirmos juntos uma Minas Gerais que orgulhe-se por respeitar também os Direitos Animais e um Estado biocêntrico, mais do que em cumprimento à Constituição Federal Brasileira, mas em respeito à vida planetária!