O mascote da Copa e a falta de recursos à conservação da espécie
O tatu-bola, que inspirou a criação do mascote Fuleco da Copa do Mundo 2014, é uma espécie característica da Caatinga e está na lista das espécies brasileiras ameaçadas de extinção.
De acordo com Felipe Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, “o tatu-bola chegou nesta situação de extinção porque a Caatinga já perdeu praticamente metade da sua área em termos de cobertura vegetal”. O desmatamento e a caça, explica, são os principais motivos que dificultam a preservação do tatu-bola.
“A caça no Nordeste sempre foi usada como uma fonte complementar de proteína, e o tatu-bola é uma das vítimas mais fáceis da caça, uma vez que ele não cava buracos e é facilmente caçado por cachorros ou caçadores individuais. Quando encontrado, se enrola como uma bola e é facilmente capturado”, afirma o biólogo em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.
A junção das palavras futebol e ecologia, formando o nome Fuleco, diz o professor, foi uma tentativa de a Fifa chamar atenção para a questão da ecologia. “Mas obviamente a mensagem ficou muito curta: Fuleco foi escolhido como mascote da Copa, aparece na maioria dos produtos ligados ao mundial, mas nenhum recurso foi dedicado à conservação da espécie por parte da Fifa”, critica.
Apesar disso, menciona, está prevista a criação do Parque Nacional do Boqueirão da Onça, com 700 mil hectares, no norte da Bahia, para preservar os tatus-bolas e as onças-pintadas. “Nesse sentido, há uma medida para proteger a Caatinga, que é o ecossistema menos protegido do Brasil, principalmente em termos de unidades de conservação integral, que são os parques nacionais e as reservas ecológicas”, assinala.
Felipe Melo é graduado em Ciências Biológicas e mestre em Biologia Vegetal pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE e doutor em Ecologia pela Universidad Nacional Autónoma de México. É membro do corpo docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal da UFPE e pesquisador colaborador do Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste. É chefe do Laboratório de Ecologia Aplicada e revisor de diversos periódicos científicos internacionais e filiado à Society for Conservation Biology – SCB, à Association for Tropical Biology and Conservation – ATBC e à Associação Brasileira de Ecologia – ABECO.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a situação do tatu-bola? Essa espécie já está em extinção? Quais são os fatores que têm contribuído para a extinção do animal?
Felipe Melo – O tatu-bola é uma espécie de bandeira para falar da situação de diversas espécies da fauna brasileira, especialmente das que vivem na Caatinga, um ecossistema extremamente brasileiro.
Fortuitamente o tatu-bola foi escolhido como o mascote da Copa, o que nos deu a oportunidade de falar do estado de conservação tanto da própria espécie quanto da Caatinga.
O tatu-bola chegou nesta situação de extinção porque a Caatinga já perdeu praticamente metade da sua área em termos de cobertura vegetal. Hoje ela é habitada por mais de 20 milhões de brasileiros, que praticamente sobrevivem da agricultura e de vários tipos de extrativismo. Portanto, o tatu-bola é vítima de um extrativismo histórico no Brasil: a caça. A caça no Nordeste sempre foi usada como uma fonte complementar de proteína, e o tatu-bola é uma das vítimas mais fáceis da caça, uma vez que ele não cava buracos e é facilmente caçado por cachorros ou caçadores individuais. Quando encontrado, se enrola como uma bola e é facilmente capturado.
IHU On-Line – Qual a importância do tatu-bola para o ecossistema da Caatinga?
FM – Os tatus em geral são uma espécie de engenheiros do ecossistema, pela capacidade que têm de cavar. O tatu-bola não cava como os outros, mas mesmo assim é um gerador de fertilidade para o solo, porque ao remexer nele, traz nutrientes das camadas mais superficiais para as camadas mais interiores do solo, fazendo com que as plantas tenham mais acesso a esses nutrientes. Eles também controlam populações de formigas e cupins e de outros organismos do solo, o que ajuda a manter os ecossistemas em equilíbrio, uma vez que as formigas estragam as lavouras, principalmente as formigas cortadeiras.
Então, os tatus têm uma importância fundamental na Caatinga, porque são como engenheiros que criam ambientes mais férteis e controlados em relação à pressão de outros insetos.
IHU On-Line – Como o tatu-bola se insere na cultura regional da Caatinga?
FM – Ele não tem um papel especial na cultura regional da Caatinga, uma vez que é visto como qualquer outro tipo de caça. Obviamente é um bichinho simpático, mas não é o tatu mais abundante. As novas gerações, inclusive, pouco conhecem o tatu-bola, uma vez que ele está desaparecendo por conta do desmatamento e da caça. Assim, não há um papel especial para o tatu-bola, a não ser de que é mais um dos habitantes da Caatinga, que sobrevive à seca, ou seja, é forte como o sertanejo.
IHU On-Line – Quais são suas críticas à escolha do tatu-bola como símbolo da Copa do Mundo de 2014?
FM – A maior parte das críticas que ouvi em relação ao tatu-bola foi por conta do nome dele: Fuleco. Soou um pouco esquisito para nós brasileiros, mas como era um nome internacional, que seria divulgado internacionalmente, me pareceu adequado, uma vez que Fuleco é a junção das palavras futebol e ecologia. A mensagem que a Fifa queria dar era essa, mas, obviamente, ficou muito curta: Fuleco foi escolhido como mascote da Copa, aparece na maioria dos produtos ligados ao mundial, mas nenhum recurso foi dedicado à conservação da espécie por parte da Fifa. O governo brasileiro tentou fazer alguma coisa ao publicar o Plano de Ação e conservação da espécie no final de abril. A Fifa ficou muito atrás, porque ganhou muito dinheiro vendendo produtos com a imagem do mascote, mas pouco contribuiu de fato com a preservação da espécie e do ecossistema.
IHU On-Line – Em que consiste o Plano de Ação e conservação da espécie?
FM – O Plano de ação é um conjunto de ações que focam na redução da vulnerabilidade da espécie. Os especialistas se reúnem e elencam quais são as principais ameaças e as principais ações que devem ser tomadas para reverter o quadro de extinção. Nesse sentido, o Plano de ação é um guia para a conservação da espécie.
IHU On-Line – Como a direção do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade recebeu o abaixo-assinado que pediu a criação de um parque nacional na Caatinga para preservar o tatu-bola?
FM – Entregamos o abaixo-assinado ao Sérgio Brant, diretor de criação de unidades de conservação do Instituto, em uma solenidade, e ouvimos que a meta principal do ICMBio para este ano é a criação do Parque Nacional do Boqueirão da Onça, com 700 mil hectares, no norte da Bahia, muito próximo à barragem de Sobradinho, onde existem tatus-bolas e onças-pintadas.
O ICMBio, dentro dos seus limites orçamentários e burocráticos, foi receptivo e atendeu a demanda. Nesse sentido, há uma medida para proteger a Caatinga, que é o ecossistema menos protegido do Brasil, principalmente em termos de unidades de conservação integral, que são os parques nacionais e as reservas ecológicas. O governo deve isso à sociedade brasileira e nordestina, ou seja, proteger a Caatinga. Recebemos com bons olhos o anúncio da intenção da criação do parque. A proposta técnica deve ficar pronta ainda neste mês, depois tem a tramitação, mas esperamos que seja criado um bom parque, que conserve uma boa parte da flora e da fauna da Caatinga.
IHU On-Line – Que outras espécies estão em extinção na Caatinga, além da onça e do tatu-bola?
FM – Na Caatinga existem várias espécies em situação vulnerável, entre elas uma espécie endêmica de arara-azul, que está restrita em algumas regiões, e é muito cobiçada por traficantes de animais silvestres. Também tem a ararinha-azul, que está extinta na natureza, mas há um programa para reintroduzi-la ao ecossistema. Além disso, existem outras espécies que estão em extinção, como os peixes e répteis, e parte da flora, como cactos e bromélias da Caatinga.
Fonte: IHU On-Line