Entrevistas

Amor incondicional

Amor incondicional
Nathalia Pereira

Ela tem apenas 22 anos, mas sua coragem, determinação e amor pelos animais impressionam. Falta de tempo para tamanha responsabilidade seria uma boa desculpa se fosse qualquer outra pessoa. Apesar de frequentar dois cursos superiores, Ciências Biológicas e Medicina Veterinária, Nathalia Patrocínio Pereira, ainda encontra tempo para os mais de 30 filhotes de aves, mamíferos e répteis silvestres que ficam sob seus cuidados em seu apartamento no bairro Buritis, região oeste de Belo Horizonte. “Ás vezes, chego em casa cansada e morrendo de fome, mas antes de qualquer coisa, vou alimentar os animais”, conta a estudante especializada em cuidar de filhotes. Nathalia, que já atendeu mais de 50 de uma só vez, é colaboradora voluntária do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Dentre sua vasta experiência com animais, ela conta que sua vida foi marcada pelo estágio com o veterinário Marcos Mourão que possui uma clínica no bairro Jaraguá. Mourão é fundador da ONG Asas e Amigos da Serra, que abriga, atualmente, cerca de 450 animais, em sua maioria mutilados, vítimas de maus tratos e tráfico.

Conheça melhor o trabalho desta futura veterinária na entrevista abaixo.

Amda – Como é o processo de obtenção destes animais, ou seja, desde a passagem pelo Ibama até chegarem a você?

Natália Pereira – Os filhotes de animais silvestres dos quais cuido vêm de apreensões ou recolhimentos realizados pelo Ibama, Polícia Militar do Meio Ambiente ou entregas voluntárias de pessoas físicas. Esses animais são encaminhados para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) e posteriormente, com licença do Ibama, chegam até mim.

AmdaComo conseguiu autorização do Ibama para cuidar deles?

NP – Fui estagiaria na instituição em 2009 e, atualmente, sou colaboradora voluntária. Dessa forma adquiri experiência com filhotes para realizar este trabalho. Eles também serão tema de um projeto que será minha monografia da Medicina Veterinária.

Amda – O que a motivou a cuidar deles?

NP – Foi a necessidade de se desenvolver novas metodologias para que os filhotes tenham sucesso na sobrevivência e assim possam ser soltos na natureza.

Amda – Quem é responsável financeiramente por estes animais?

NP- O Ibama me fornece alimentos e materiais necessários para que eu possa cuidar deles.

Amda – Como é o cuidado e quantas horas você dedica diariamente a estes animais?

NP – Cada espécie de filhote necessita de cuidado especifico. Podendo ser necessária a preparação de papinhas, mamadeiras, etc. A dedicação aos filhotes é algo constante. Durante todo o dia, são necessários tratamento com alimentação e demais cuidados especiais.

Amda – Durante quanto tempo ficam sob seus cuidados e para onde são encaminhados ao deixarem seu apartamento?

NP – O tempo de cuidado dos filhotes varia de espécie para espécie, podendo durar meses. Os filhotes são devolvidos para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) apenas quando jovens, pois, nesta fase, já possuem condições de alimentarem-se sozinhos. Posteriormente passam por uma avaliação e, quando viável, soltura.

Amda – Como são seus estudos para readaptação destes animais?

NP – O Cetas, localizado no Ibama, com sede em Belo Horizonte, é um centro de triagem que proporciona basicamente medicação quando necessária, vermifugação, exames laboratoriais e anilhamento. O Ibama possui uma outra sede onde há viveiros maiores para reabilitação dos animais, o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras). Já pude reabilitar algum dos filhotes que cuidei no Cras, porém, em sua maioria, eles são encaminhados para o Cetas e lá, aves, por exemplo, podem treinar voo nos viveiros. Uma boa reabilitação é um processo que requer investimento principalmente de tempo e necessidade de um profissional apto.

Amda – Como você faz para manter o bem estar deles já que são tantos em um espaço relativamente pequeno?

NP – Na minha casa, cada animal fica em seu respectivo recinto. A limpeza, alimentação e demais cuidados são realizados varias vezes ao dia. Possuo Unidade de Tratamento de Aves (UTA) que consiste em uma “estufa” para o aquecimento de filhotes, além de diversos materiais necessários para eles. Procuro sempre melhorar os recintos conforme a necessidade do filhote. A demanda de necessidade é o próprio filhote que me fornece. O ambiente é deixado da melhor forma possível considerando o pouco espaço e infraestrutura que tenho. É importante lembrar que, em geral, filhotes não necessitam de tanto espaço, pois mesmo na natureza, geralmente, ficam limitados aos ninhos.

Amda – Recebe ajuda de alguém para cuidar deles?

NP – Enquanto estou na faculdade recebo ajuda da minha mãe, que me auxilia na alimentação dos filhotes. Ela aprendeu comigo como cuidar deles e, atualmente, executa isso muito bem.

Amda – Existem dados quanto aos animais que foram readaptados, por você, com sucesso ao ambiente natural?

NP – Os animais que cuido não são reabilitados totalmente, faço apenas o trabalho de cuidado dos filhotes até a fase jovem, quando passam a se alimentar sozinhos. É possível observar que muitas espécies, desde filhotes, já possuem um instinto selvagem e, portanto, desde que se evite o contato humano excessivo, é possível soltá-los sem maiores problemas. Filhotes de espécies que não demonstram esse instinto selvagem são encaminhados para criadores registrados no Ibama, pois sua soltura sem dúvida não teria sucesso. Para saber a taxa de sobrevivência após serem soltos, é necessário uma marcação e monitoramento dos animais, o que demanda custo, tempo e muito trabalho.

Amda – Como você vê o papel dos órgãos ambientais no combate ao tráfico de animais silvestres?

NP – Os órgãos ambientais estão em constante busca para a eliminação do tráfico com base na educação ambiental de quem compra esses animais. Acredito que o maior objetivo deveria ser conscientizar os compradores, pois, a partir do momento em que não há compradores, não há vendedores, finalizando o tráfico.

Amda – Como é feita a cooperação entre você e o veterinário Marcos Mourão? Como se conheceram?

NP – Atualmente, sou estagiária do Marcos Mourão. Conhecemo-nos através do Ibama, já que ele, assim como eu, auxilia o órgão no cuidado dos animais. O meu foco é cuidar de filhotes e o Marcos ampara, principalmente, nas cirurgias necessárias para os animais silvestres que chegam no Centro de Triagem de Animais Silvestres. Além de auxiliar nas cirurgias, ele possui um criatório que recebe muitos animais que, devido ao tráfico e demais maus tratos, foram mutilados. São animais que nunca poderão ser soltos na natureza. Marcos realiza um trabalho que poucos criadores fazem. A maior parte dos criadores quer animais sadios e raros. Enquanto ele opta pelos animais mutilados que certamente ficariam sem destinação. Sem dúvida é um trabalho admirável.

Amda – De todos os animais que já recebeu, qual a marcou mais e por quê?

De todos os animais que recebi o que mais levantou questionamentos foram os filhotes de gambá. No inicio eu não conseguia fazer com que sobrevivessem, foram necessários muitos estudos, pesquisas e observações. Aprendi com os próprios animais e, atualmente, consigo sucesso na sobrevivência e soltura de duas espécies de gambá: Gambá de Orelha Branca (Didelphis albiventris) e Gambá de Orelha Preta (Didelphis aurita). Apesar de quando adultos conseguirem se adaptar até no meio urbano, enquanto filhotes são extremamente frágeis em cativeiro. É o filhote de mamífero que mais chega no Cetas. As pessoas acreditam, por mito, que todo gambá solta odor e por isso matam a mãe e deixam muitos filhotes órfãos. As duas espécies que mais chegam no Cetas não soltam esse odor.

Amda – Além dos animais apreendidos pelo Ibama, possui algum de estimação?

NP – Possuo três “animais de estimação”. São animais que adotei, pois possuem deficiência física, um Canário Belga cego e dois pombos-domésticos cegos.

Amda – Qual a mudança necessária no comportamento do brasileiro quanto aos animais silvestres?

NP – É necessário que não apenas o brasileiro, mas o ser humano como um todo compreenda que quando compramos um animal silvestre, isso faz com que muitos outros morram para que o comprador possa cuidar de um. No processo de tráfico, os animais sofrem maus tratos que desencadeia em inúmeros óbitos. Condenar um animal silvestre a cativeiro o resto da vida é, sem dúvida, um ato arcaico, desrespeitoso e certamente criminoso.

Amda – Alguém interessado em adoção de animais silvestres pode te procurar?

NP – Tenho apenas autorização temporária para cuidar dos filhotes que recebo do Ibama. Há animais com deficiências físicas, devido ao tráfico e demais maus tratos, que podem ser submetidos à adoção. Pessoas interessadas devem procurar o núcleo de Fauna no Ibama. Esse procedimento de “adoção” se chama Termo de Depósito Doméstico Provisório. E apenas o órgão pode conceder essa licença.