Entrevistas

Parte I: Entrevista com Maria Dalce Ricas, superintendente executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda)

Parte I: Entrevista com Maria Dalce Ricas, superintendente executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda)

Maria Dalce Ricas, superintendente executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), organização que há 30 anos atua no Estado, fala nesta entrevista para a série Desafios de Minas sobre os avanços, que não opinião dela são poucos; e os pontos críticos para o meio ambiente mineiro. “Sabemos muito bem que somente a pressão social é que forçará mudanças nas políticas públicas e na iniciativa privada”, diz a ambientalista. Para Dalce, a maior parte da população não sabe ou prefere ignorar que estamos num dilema quanto ao futuro.

Confira na segunda parte desta entrevista a opinião da ambientalista sobre as negociações e os resultados da Rio+20.

Estado de Minas.: Quais são os principais avanços identificados pela Amda nos últimos 20 anos em Minas Gerais?

Maria Dalce Ricas – Não é confortável dizer isto, mas os avanços foram pouco significativos, considerando que o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) foi fundado em 1977. Os próprios indicadores publicados pelo governo mostram que a qualidade ambiental no Estado está praticamente estagnada, mas alguns avanços aconteceram. A diminuição significativa da poluição atmosférica emitida por grandes empreendimentos, como Usiminas, Petrobras, antiga Belgo Mineira em João Monlevade, antiga Acesita em Timóteo, antiga Mannesmann no Barreiro, inúmeras indústrias da Cidade Industrial de Contagem e das cimenteiras na região de Lagoa Santa são bons exemplos.

Infelizmente, a melhora da qualidade do ar continua sendo anulada pelo aumento da poluição emitida por automóveis, caminhões, ônibus. O número de carros não para de crescer, estimulado inclusive por políticas do governo federal.

Algo semelhante aconteceu com o tratamento de efluentes líquidos. As empresas citadas eram grandes contribuintes para degradação dos cursos d’água em Minas e, hoje, de forma geral, despejam seus efluentes dentro dos padrões exigidos pela legislação. Por outro lado, a carga de esgoto doméstico lançada sem tratamento cresceu de forma diretamente proporcional ao aumento da população.

Estamos em 2012. Após séculos de civilização, as pessoas, incluindo muitos dos governantes, continuam a acreditar que os rios servem para levar lixo e esgoto para “longe dos olhos e do coração”.

E.M.: E quais são os principais pontos críticos para o Estado de Minas Gerais em relação ao ambiente?

M.D.R – Destaco três. A primeira é a contenção do desmatamento e suas consequências para a fauna, solo e cursos d’água. A visão de que áreas naturais são apenas estoques de madeiras e terras não aproveitadas continua predominando no setor agropecuário. A sociedade, apesar de estar demonstrando cada vez mais percepção de que não há justificativa para continuar desmatando, como mostrou a campanha “Veta Dilma” e a pesquisa CNI/Ibope, não conseguiu ainda sair da preocupação para a ação.

E penso que enquanto a destruição de ambientes naturais pela derrubada da cobertura vegetal não se tornar socialmente intolerável, a agropecuária continuará crescendo de forma horizontal, ou seja, ocupando novas áreas ao invés de otimizar a exploração do que já foi desmatado, a expansão urbana continuará buscando as áreas mais preservadas para fazer “condomínios ecológicos”, o governo continuará abrindo ou asfaltando rodovias que facilitam a degradação.

A luta da Amda, de outras ONGs, instituições e pessoas envolvidas na causa ambiental é dirigida para preservar as florestas e outros ambientes naturais, como campos rupestres e Veredas. Mas sabemos muito bem que somente a pressão social é que forçará mudanças nas políticas públicas e na iniciativa privada.

O segundo ponto é a degradação da água, que tem como causas, além do desmatamento, a utilização de agrotóxicos e fertilizantes, despejo de esgotos urbanos e industriais, lixo jogado pela população, implantação de empreendimentos econômicos industriais e agrícolas em lugares impróprios, pisoteio de gado, estradas estaduais e municipais, minerações irresponsáveis, desperdício de água e demanda, às vezes, muito maior que a oferta, para irrigação.

O terceiro ponto é a continuidade dos impactos sobre a fauna silvestre, representados por todos os fatores mencionados, acrescidos de caça e tráfico e atropelamento nas rodovias, que aumentaram assustadoramente, além de introdução de espécies exóticas e doenças transmitidas por animais domésticos. Como já disse, poucos se lembram de que os ambientes naturais não são áreas vazias e, sim, morada de outras espécies que a espécie humana deveria respeitar.

E.M.: Qual deve ser o papel dos governos e das corporações para que os compromissos assumidos nas conferências ambientais se traduzam efetivamente em ações?

M.D.R – Sempre digo que as mudanças não podem ser debitadas somente ao poder público. Mas a maior parte delas sim, pois o Estado é o ente regulador das atividades econômicas desenvolvidas pela sociedade. Então, seu papel é fundamental enquanto promotor de políticas públicas, responsável pela educação, zelador do cumprimento das Leis e, na verdade, administrador do uso dos recursos naturais. Mas os poderes legislativo e judiciário teriam também de se comprometer com mudanças, e aí, a situação fica mais complicada, por causa de fatores amplamente conhecidos por todos nós, como a impunidade, que na área ambiental é muito grande, a utilização de mandatos políticos para enriquecimento próprio e outros.

Houve muitas mudanças nas grandes corporações no que se refere a responsabilidades socioambientais. Mas o principal objetivo delas é ainda conseguir lucros através da produção e venda máximas de seus produtos. Quanto mais consumo (e mais desperdício), melhor para elas. As empresas que exploram combustíveis fósseis, por exemplo, não têm interesse algum em diminuir seu consumo. Particularmente não acredito em “capitalismo ecológico”, mas acho que ninguém sabe a resposta do que poderíamos colocar em seu lugar.

A maior parte da população não sabe ou prefere ignorar que estamos num dilema quanto ao futuro. O último relatório do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) é de arrepiar os cabelos, pois as informações sobre a situação da Terra são estarrecedoras.

E.M.: Se temos profissionais qualificados, conhecimento científico e legislação, o que falta?

M.D.R – Políticas ambientais isoladas não conseguem reverter o desmatamento, por exemplo, pois muitas vezes conflitam com outras políticas na área econômica. Esse conflito é tão claro que no Copam, as secretarias de desenvolvimento econômico, agricultura, desenvolvimento urbano votam, quase religiosamente, com a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) e a Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg). As entidades ambientalistas e o Ministério Público estão sempre isolados.

“A sociedade, apesar de demonstrar cada vez mais percepção de que não há justificativa para continuar desmatando, como mostrou a campanha Veta Dilma, não conseguiu ainda sair da preocupação para a ação”

A extensão já desmatada deveria, em meu entender, ser fator determinante para impedir novos desmatamentos, mas não é. Na situação atual, o aparato técnico do governo é insuficiente em número e qualidade. O governo não pode obviamente ignorar realidades sociais ligadas a questões ambientais. Mas deveria resolvê-las através de políticas alternativas e não através da continuidade da degradação ambiental.

Penso que falta clareza e determinação política e falta um recado claro por parte da sociedade quanto à prioridade de proteção e conservação. A gestão pública é pressionada por forças políticas ligadas a interesses econômicos que ainda são muito mais poderosas que a organização da sociedade civil.

Empreendimentos econômicos que extrapolam o território de Minas são licenciados pelo Ibama e normalmente o licenciamento é uma verdadeira caixa preta, sem qualquer participação da sociedade. A minoria que defende e mantém a degradação ainda é mais forte do que a luta em defesa do meio ambiente.

Então, a balança continua a pender para o lado do “mal”. Sei que a afirmativa é simplista diante da complexidade de fatores que envolvem mudanças, mas exemplifica bem o embate diário que enfrentamos para proteger os poucos ambientes naturais que restam no Estado.

Veja a segunda parte da entrevista: Desafios de Minas