Entrevistas

Literatura com pinceladas de consciência ambiental

Literatura com pinceladas de consciência ambiental

Escritor, jornalista, ilustrador, eterno defensor das questões ambientais, embora não seja mais militante, como ele afirma. Mas nos livros suas histórias trazem mensagens que fazem pensar e provocar uma consciência mais ética. Natural de Governador Valadares, já morou fora de Minas, mas voltou e criou raízes em Belo Horizonte. Na Bienal do ano passado lançou seu 26º livro: Tizin e Tiziu, que traz uma história de ficção recheada de questões ambientais e dirigida ao público infanto-juvenil. Acompanhe essa conversa.

Como você definiria Jose Carlos Aragão:

Aragão: Um especialista em atividades gerais. Se bem que a atividade principal acaba sendo a de escritor, estou completando 20 anos de carreira literária e 10 anos de teatro. Mas trabalho com jornalismo e publicidade desde os 16 anos. Comecei a trabalhar como arte finalista e chargista em (Governador) Valadares, onde nasci. Vim para BH e passei por alguns jornais e fui o primeiro chargista do Hoje em Dia. Fui para o Rio trabalhei em editoras, no Pasquim, revista Mad, depois fui para o interior de Minas, voltei para BH, fui para Vitória, voltei para Minas. Comecei a me dedicar mais à literatura, e essas atividades ficaram em segundo plano.

E como a literatura entrou em sua história?

Aragão: Entrou em uma sala de espera de um consultório de psicologia. Meu filho fazia terapia e eu ficava na sala de espera que tinha vários livros infantis. A cada sessão eu lia um pouco e na terceira sessão já tinha acabado de ler a biblioteca toda. Como não tinha mais o que ler, resolvi escrever. Ao final de três sessões já tinha um livro pronto, mandei para um concurso ele foi premiado. Procurei uma editora ela publicou e não parei mais. Mas eu sempre escrevi muito na adolescência, sempre gostei de ler. Hoje escrevo poesia, conto, literatura infantil e teatro. Para adulto e criança.

Além de escritor, ilustrador e jornalista, você já foi um ambientalista militante. Como foi essa fase de sua vida?

Aragão: Na verdade tenho uma historia pregressa como militante das causas ecológicas. O Ibituruna é uma montanha de Governador Valadares que foi ao longo dos anos dizimada por sucessivas queimadas. No início dos anos 80 eu trabalhava em um jornal e houve uma grande queimada. Eu consegui mobilizar a diretoria do jornal para começar uma campanha de preservação do Ibituruna. A partir dessa iniciativa houve uma mobilização da comunidade e aí se criou a primeira ONG ecológica da cidade: Adima (Associação de Defesa do Ibituruna e Meio Ambiente).Fui presidente por duas gestões. Por causa dessa militância eu participei do Codema e tive contato com a Amda e outros movimentos ecológicos. Pouco depois eu me mudei para BH e me associei à Amda, me tornei militante e cheguei a integrar a diretoria de colegiado. Agora eu estou meio afastado dessa militância.

Na Bienal de BH você lançou o livro Tizin e Tiziu. É verdade que estes personagens te acompanham a algum tempo?

Aragão:.Eu estava morando em Vitoria quando criei esses personagens, como uma tirinha. Minha idéia era publicar em jornais e foi nessa época que o Ambiente Hoje publicou algumas dessas histórias, isso foi em 1991,92 e a Feam também chegou a publicar uma página na revista dela. Tizin é um oiti, diminutivo de oitizeiro e traduzido para o mineirês. É uma árvore que se arranca de uma esquina numa avenida de uma grande cidade e resolve sair pelo mundo procurando um lugar melhor para viver, porque aquela esquina é um muito agitada e muito poluída. E neste périplo pelo mundo encontra um passarinho tiziu, chamado Tiziu e eles fazem um pacto: quando Tizin encontrar um lugar para fincar suas raízes ele vai liberar um galho para o Tiziu fazer seu ninho. Eles saem pelo mundo e vão se deparando com vários tipos de agressões ao meio ambiente.

No livro a história não tem um fim. Ela continua?

Aragão: Essa história nunca é completa, ele é uma saga que pretende ter capítulos. Quando a tirinha foi criada, nunca iria acabar, porque o Tiziu nunca vai encontrar o lugar ideal. A proposta da aventura é não ter fim e continuar sempre denunciando todo tipo de crime ambiental. Já tenho a sinopse do segundo livro. Neste livro tento mesclar a ficção com um certo conteúdo ambiental, mas não é um livro didático. Não digo o que é certo ou errado, deixo para o leitor pensar e desenvolver seu censo crítico. Tizin e Tiziu foi adaptado para o teatro de bonecos e pretendo estrear no Dia Mundial do Meio Ambiente. A produção é minha com apoio da Lei Municipal de Incentivo á Cultura.

O espetáculo tem uma característica importante: os bonecos são feitos com matérias reaproveitáveis, Tiziu tem as penas de chapas de raio X recortadas,o corpo é feito de um tubo de desodorante, Tizin é feito com restos de tubos de PVC, as folhas são embalagens de shampoo, água sanitária e tetra Pack,. Fomos buscar muitas coisas na Asmare.

Você deixou de ser militante, mas pelo visto a questão ambiental continua presente em sua vida.

Aragão: Tem uma ocorrência que sempre me indignou desde menino, que são as queimadas no Ibituruna. Eu me lembro que na minha infância a gente via na crista da montanha uma mata, e aos poucos a gente começou a contar lá debaixo quantas árvores tinha, e a cada ano tinha menos, e isso me marcou porque a degradação foi rápida: eu era criança quando não conseguia contar as árvores e ainda era criança quando comecei a contar. Então fui testemunha dessa devastação. Por isso hoje eu ainda milito, através da literatura. Quando escrevo Tizin e Tiziu eu sei que estou dando minha contribuição ecológica para as crianças. Eu não escrevo só sobre este tema, mas em meus livros sempre tem uma pincelada sobre a questão ambiental.

Para encerrar: você que já caminhou tanto, morou em tantos lugares, já encontrou seu lugar ideal?

Aragão: Durante muito tempo eu acreditei ter achado um lugar ideal. Agora estou com um pouco em dúvida. O lugar ideal é Belo Horizonte. Adoro a cidade que me recebeu muito bem, me fez crescer como pessoa, gosto do mineiro de belo horizonte, aqui encontro todas as “Minas Gerais” e “as Minas são muitas” como preconizou Guimarães Rosa. E tem coisas que vc só encontra aqui, desde a linguagem até o pão de queijo e eu sou apaixonado pelo Arrudas, por incrível que pareça, é o rio da minha aldeia.Eu até já avisei minha esposa que quando eu morrer quero ser cremado e que minhas cinzas sejam atiradas ao Arrudas. Mas, a cidade tem perdido muito em qualidade de vida nos últimos anos. Mas, mesmo se eu mudar daqui, Belo Horizonte será sempre meu lugar de referência, aquele lugar idealizado de voltar, ainda que seja o que Drummond já definiu como “triste horizonte”.

Matéria publicada no jornal impresso Ambiente Hoje, periódico mensal da Amda, na edição de abril de 2011.