Opinião

COP da Biodiversidade: se as espécies pudessem falar

Juliana Perdigão*

Você, provavelmente, não vai ouvir muito sobre a COP 16 que começa nesta segunda-feira (21), na Colômbia, e adianto que ela não é a mesma daquela, a do Clima, que toma os noticiários mundo afora. Eu desconfio do motivo de ela não ser tão falada e já conto, mas o fato é que, a esta hora, pelo menos 12 chefes de Estado devem estar em Cali para a COP da Biodiversidade: uma conferência criada na Rio 92, específica para evitar a perda da diversidade biológica.

A principal missão da COP 16 é tirar do papel as 23 metas definidas na última conferência e partir para a ação: estabelecer os planos para reverter a perda de espécies de todo o planeta e as formas de monitorar cada estratégia.

Esse conjunto de metas é chamado de Marco Global da Biodiversidade e define, principalmente, que é preciso proteger 30% das áreas terrestres e dos oceanos até 2030 e, ainda, aumentar o financiamento para proteger e restaurar a natureza.

Proteger e restaurar: os esforços nessa direção são tão lentos que o que vemos é a biodiversidade se dissolver diante dos nossos olhos. O botânico brasileiro Alexandre Antonelli, diretor de Ciência do Royal Botanic Gardens, Kew, no Reino Unido, diz que “não estamos perto de travar nem reverter a perda da biodiversidade”.

No livro “The Hidden Universe”, o professor cita o estudo de um aluno de doutorado que pesquisou o impacto da atividade humana na extinção de mamíferos no mundo. A estimativa é de que, se as tendências atuais continuarem, pode haver um aumento de 30 mil vezes na taxa de extinção de espécies, em relação aos níveis naturais, até o final deste século.

As projeções brasileiras não são menos assustadoras, como mostrou o professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, na reunião de emergência convocada pelo presidente Lula, mês passado. Ele levou os números do último relatório do IPCC, o Painel Internacional de Cientistas, para explicar os impactos na saúde humana e dos ecossistemas se nada for feito. Dados que a ciência já vem divulgando há anos.

Nós não nos atentamos para o tema da biodiversidade, assim como não nos atentamos para o incrível serviço desempenhado por árvores, animais, qualquer espécie próxima ou distante de nós. Banalizamos a natureza apesar de sermos completamente dependentes dela.

Fico pensando se um muriqui-do-norte, por exemplo, fosse convidado a se sentar entre os chefes de Estado. Ele poderia começar ensinando a cooperação: o maior primata das Américas, com uma importante população em Minas Gerais, é chamado de “jardineiro da floresta”. Como se alimentam dos frutos da Mata Atlântica e se deslocam muito pelo bioma, as sementes são dispersadas pelas fezes, o que possibilita o replantio. As espécies desempenham serviços ecossistêmicos invisíveis aos nossos olhos, mas que garantem nossa estadia no planeta.

As conferências são fundamentais, mas o resultado prático delas evidencia nossa pouca capacidade de trabalho conjunto entre países. Somos dotados de tantas habilidades, mas, curiosamente, nossa espécie é a única que constrói a própria extinção.

*Juliana Perdião é diretora do Projeto Preserva, plataforma com foco em meio ambiente e cultura. Jornalista e doutora em Ciência da Informação pela UFMG.

Fonte: Diário do Comércio