Opinião

Contrafogo político e o discurso do absurdo: como as fake news sobre combate a incêndios afetam o país

André Café*

Não há como iniciar este texto sem saudar o espinhoso e corajoso trabalho de todos os brigadistas que se colocam no fronte do enfrentamento dos grandes incêndios. Este fato é o que deveria povoar as manchetes na mídia e as falas de parlamentares não tão desavisados assim.

Infelizmente, este gigantesco e pouco valorizado trabalho ainda sofre com fake news, que ousam apontar como a causa dos incêndios que devastam o país o uso do fogo prescrito pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Nunca é exagero lembrar que a construção das notícias falsas ou, no mais popular, mentiras, não se baseia no desconhecimento. É um organizado lógico, intencional e político, que desvirtua o cerne de todo e qualquer debate, e não se propõe a pensar soluções ou contribuir para qualquer tema, exceto para atender demandas privativas de um nicho ou grupo.

É desta maneira que compreendemos e repudiamos a fala da senadora Damares Alves (Republicanos/DF) em relação aos trabalhos dos brigadistas. A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do Pecma (Ascoma Nacional) e o Sindicato dos Bombeiros do Distrito Federal (SindBombeiros/DF) já se pronunciaram em relação às lamentáveis declarações da parlamentar, fazendo o papel correto de informar inclusive quando e como se utilizam técnicas de contrafogo para combater fogo.

Neste bojo, o debate se desloca para um lado nada propositivo. Sai do foco a urgência e importância dos trabalhos dos brigadistas e, por consequência, todo trabalho de monitoramento, controle e proteção ambiental que evitariam potenciais focos de incêndios criminosos e demais ilícitos ambientais. Então, como retórica, por quais razões a senadora não subiu à tribuna para tratar dos direitos e das condições destes trabalhadores?

A fala da parlamentar até traz a greve de 2024 na Carreira de Especialista em Meio Ambiente e no Plano Especial de Cargos do MMA (Cema) e do Ibama (Pecma) à tona, mas com nenhuma intenção de problematizar a situação de trabalho desta carreira. Na verdade, o que foi dito serviu apenas como um recurso de difamação dos trabalhadores ambientais e dos órgãos como Ibama e ICMBio, porque seriam estes os sujeitos que “querem acusar a direita e o agro de incendiários” (sic).

Segundo o professor Gilberto de Souza, da Universidade Federal do Pará (UFPA), os incêndios que consomem o bioma amazônico são uma etapa da exploração econômica da floresta. A prática barateia custos para o agronegócio e socializa prejuízos incalculáveis para a sociedade.

O retrato do caos climático se consolida no país e a prioridade de alguns parlamentares é endossar a marcha da devastação. Pelo óbvio, uma série de estudos apontam para relação incêndios e modo de produção e modelo econômico atual.

Então, o que fazer?

Nos limites e contradições dos poderes da República, a máxima passa pelo fortalecimento dos órgãos ambientais, como Ibama, ICMBio e Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que enfrentam os desafios dos incêndios diuturnamente, não só com o objetivo da execução plena da política pública, mas pela garantia de recursos e biomas pensando as gerações futuras. Para isso, a valorização da categoria e as condições de trabalho são viscerais.

No limite do possível, a subversão deste modo de vida e produção é o único caminho. É encarar a retificação de desinformações como ponto de partida e seguir o combate, sem temer qualquer força destruidora dos biomas, dos territórios e dos povos, para mitigarmos ou revertermos o processo cumulativo de desordem climática. Ou isso, ou pereceremos no próximo discurso do absurdo.

*André Café é presidente da Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do Pecma, no Distrito Federal (Asibama-DF).

Fonte: Brasil de Fato