Opinião

A floresta é muito mais que o verde da mata

*Valcléia Solidade

Para quem vive na floresta, não é necessário dispor de aplicativos de entrega de alimentos, pois os insumos necessários para se ter uma refeição à mesa estão disponíveis no quintal de casa. A floresta dispõe de alimento e de sombra, ela é o ambiente da nossa biodiversidade e o lar de muitos povos. Ainda que se fale muito da importância da floresta em pé para a existência dos povos que nela vivem, ela vai muito além de todo o verde que a compõe e seus hectares de folhas, galhos e raízes fincadas na terra.

Quando falamos da floresta, especialmente a Amazônica, a objetivamos pela materialidade que ela tem e sua importância para a existência do planeta. Mas se fizermos um exercício de entender profundamente o motivo pelo qual ela é, de fato, importante, veremos que é ainda maior que os hectares que a limitam.

Em viagem recente à comunidade Saracá, distante 1 hora de Manaus, durante conversas e cafés com o líder comunitário Sebastião Brito, ele nos explicava sobre os frutos, pescado e artesanatos que provêm da floresta. No local, a principal fonte de renda é do turismo e artesanato e os insumos necessários para oferecer as melhores experiências aos turistas saem da natureza que ali habita.

O almoço oferecido aos clientes, em sua maior parte, vem dos rios. O suco, que complementa as refeições, vem das frutas locais. Os artesanatos ofertados pelas artesãs têm sua matéria-prima a partir da floresta. Quando se come açaí, tucumã ou bacaba, por exemplo, as sementes desses alimentos não são descartadas, mas direcionadas ao artesanato. Isso também é floresta.

A floresta é casa de animais, das inúmeras espécies de plantas. A floresta é sombra e quem traz o vento no fim da tarde.

Em outra ponta, a floresta é quem proporciona a prática dos saberes ancestrais por meio da chamada medicina tradicional. Seus galhos e folhas se transformam em chás e remédios caseiros, que são utilizados pelas populações tradicionais para tratamento de doenças, como xaropes feitos com a casca de Jatobá, que é uma espécie florestal tradicionalmente utilizada pelas famílias para tratar tosses. 

Ela é moradia das pessoas que habitam ali, pois é através das suas árvores que se constroem as casas dos ribeirinhos. Lá é o lugar que traz paz e energia positiva. Para quem vive nos territórios, há também toda a questão de ancestralidade com o lugar, o sentimento de pertencimento daquele solo que tradicionalmente foram de seus pais, avós e tataravós.

Esse exercício de olhar para nossas florestas e enxergar o que há por detrás do seu verde ainda está longe de ser a visão que as pessoas têm sob nossos territórios. É sempre reforçado os perigos que o desmatamento traz a existência da fauna e flora, como as mudanças climáticas estão afetando a cada ano as sazonalidades da nossa Amazônia. Mas é importante ressaltar que há muito mais o que falar sobre ela.

No último mês, comemoramos o Dia de Proteção às Florestas e é importante que todos, embora em contextos diferentes, tenham o seu papel de conservar e manter a floresta em pé. Mas para defender, é importante olhar para as possibilidades, além do bioma, que a floresta traz aos seres que habitam nela.

Quando a gente desmata, causamos uma série de prejuízos e aceleramos as mudanças climáticas e, de certa forma, estamos inviabilizando as futuras gerações de estarem usufruindo o que temos hoje. Recentemente, o Sistema de Alertas de Desmatamento do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgou que houve um crescimento de 10% de desmatamento na Amazônia, após quatorze meses em queda.

Temos o agravante da estiagem que já iniciou no Amazonas e já está afetando municípios da região. Logo, virão as queimadas e qual é o olhar que teremos em relação a isso? Precisamos nos indignar, mas é preciso ter indignação com informação e conhecimento do porquê defendemos nossa floresta que vai além do verde.

*Valcléia Solidade é superintendente de Desenvolvimento Sustentável da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

Fonte: O Eco