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Entrevistas

Marina Silva traça perspectivas para a área ambiental

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Marina Silva traça perspectivas para a área ambiental
Marina Silva no Fórum Econômico Mundial 2023

Após quatro anos de retrocessos, a política ambiental brasileira ganha novo fôlego com Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática, como agora é chamado. A ministra promete reverter a imagem do país de “pária” ambiental, reafirmando os compromissos do Brasil na agenda climática e no combate ao desmatamento.

Professora, ambientalista e historiadora, Marina Silva ganhou notoriedade na defesa do meio ambiente e de comunidades tradicionais. Já foi vereadora, deputada, senadora e ministra do Meio Ambiente. Como ministra, liderou a criação de áreas protegidas e o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). É fundadora do partido Rede Sustentabilidade.

Em entrevista à revista Ecológico, Marina fala sobre a herança deixada pelo governo Bolsonaro e suas perspectivas para os próximos anos.

Ecológico: Qual é a herança deixada por Bolsonaro?

Marina: Nos três anos e meio do seu governo, quase quatro, ele é responsável por quase 1/3 das florestas virgens destruídas no mundo – e só em 2021 foi responsável por cerca de 40% das áreas florestadas destruídas. E as perspectivas são incomparavelmente piores. Primeiro, porque os instrumentos que existiam antes foram desestruturados, as equipes foram desmontadas, os orçamentos foram reduzidos, e o governo empoderou os criminosos.

Assim, vamos ter que recompor orçamentos, fortalecer as equipes e ter uma ação integrada transversal mesmo, juntando todos os setores de governo que podem ajudar. Hoje, temos uma situação de terra arrasada pelo desmatamento. E a Amazônia é mesmo uma prioridade, mas não pode ser só a Amazônia – tem, por exemplo, a Mata Atlântica e outros biomas ameaçados.

Ecológico: Fala-se na criação do cargo de “Autoridade Nacional para Risco Climático”…

Marina: A questão da autoridade nacional para risco climático está na proposta que apresentei ao presidente Lula, com a qual ele se comprometeu e faz parte do plano de governo. É uma iniciativa cuja inspiração vem da criação da autoridade nacional para a questão dos jogos olímpicos, em 1916, a autoridade nacional para o risco nuclear e nas autoridades monetárias que monitoram a inflação, verificando se ela está no centro da meta, se está acima do teto.

Com base nessas experiências há de se pensar em um arranjo adequado para ações de coordenação para ver se o Brasil está cumprindo com o cronograma dos compromissos que assumiu para reduzir a emissão de CO2. Enfim, essa autoridade nacional do risco climático pode muito bem fazer essa verificação e identificar, por exemplo, os setores que estão impedindo que a gente consiga alcançar a meta assumida pelo Brasil para dar sua contribuição até 2030, 2050 e anos seguintes.

Ecológico: A senhora deixou o ministério por divergências com o então presidente Lula. O que garante que isso não vai acontecer de novo?

Marina: O mundo e o Brasil mudaram. O presidente Lula sabe o quanto essa agenda tem um papel estratégico – só os negacionistas não veem isso. O mundo todo vai caminhando nessa direção, inclusive aqueles que têm uma posição mais refratária em algumas questões, como é o caso da China.

No caso do presidente Lula, ele já vinha nessa inflexão durante a campanha e fez questão de assumir os compromissos. Vou pelo valor da promessa e acho que o Brasil está apostando tudo na busca de novos caminhos. O presidente Lula coloca no seu discurso o compromisso assumido com a sociedade brasileira falando do desmatamento zero, na relação com as populações indígenas e uma agricultura que, ao mesmo tempo, seja próspera e de base sustentável.

Ecológico: Por onde vai começar todo este trabalho?

Marina: É preciso, por exemplo, recompor as equipes do Ministério do Meio Ambiente, dos órgãos de gestão – isso é fundamental. Hoje, nós temos policiais que não sabem fazer a gestão ambiental em nenhuma das frentes necessárias – nem na fiscalização, nem em relação às unidades de conservação, nem na gestão dessas unidades de conservação e até mesmo no monitoramento por satélite.

É preciso recompor essas equipes em bases técnicas. É preciso recompor o orçamento. A gente tem o orçamento, que é o do Bolsonaro, mas é possível fazer algum tipo de remanejamento para que a prioridade de fazer a agenda ambiental andar esteja espelhada também do ponto de vista dos recursos financeiros, não só dos recursos humanos.

Precisamos ter uma agenda de contenção do que está lá digamos, do pacote da destruição. O governo tem muitos mecanismos para atuar de modo próprio, sem precisar necessariamente aprovar novas leis no Congresso, porque nós já temos uma legislação muito boa – ou seja, o governo pode atuar independente de ter maioria para aprovar novas medidas.

O que tem que mudar é o retrocesso que é ficar tentando mudar a legislação e aí engessar o governo em relação ao licenciamento, em relação à questão de regularização fundiária, a introdução de várias agendas, inclusive o garimpo, aluguel de áreas indígenas, por exemplo, para a agricultura.

O governo tem que voltar a ter uma agenda de criação de unidades de conservação, de demarcação de terras indígenas. Tem uma série de áreas que já tem estudos que estão sendo feitos. Retomar esses estudos, dialogar com a sociedade civil para que a gente cumpra com a diretriz do controle da participação social.

Ecológico: E a questão do licenciamento? Há quem peça relaxamento e flexibilização…

Marina: O licenciamento ambiental não deve ser facilitado – na verdade, ele deve ganhar agilidade sem perda de qualidade. Aperfeiçoamentos podem existir e no ministério, quando eu estava lá, nós estávamos trabalhando essa agenda de aperfeiçoamento do licenciamento.

Mas, hoje, o que as pessoas querem é flexibilização e a flexibilização do que não se pode flexibilizar não é republicana. Afinal, se você tem uma atividade que é de alto impacto, que vai comprometer os mananciais, por exemplo aqui no estado de São Paulo, que tem problemas graves de abastecimento de água, então você não tem como flexibilizar.

Ecológico: E o agronegócio, como entra nessa equação?

Marina: É bom para o agronegócio que o meio ambiente seja respeitado e preservado. Nós só não finalizamos até agora o acordo com o Mercosul em função de uma visão que não quer cumprir com regramentos ambientais, o que acaba tisnando o nome de todo o agronegócio.

Na verdade, o agronegócio não é homogêneo e, sinceramente, eu acho que as pessoas estão buscando fazer essa inflexão – afinal, o Brasil já perdeu demais. Quando fui ministra, o desmatamento caiu 83% por quase uma década e o agronegócio subiu.

O Brasil tem que fazer o dever de casa, para não sofrer impedimentos nos mercados internacionais por ter produtos carbono intensivo. Vamos precisar reduzir emissão e o nosso maior vetor é o desmatamento para ter a floresta e o regime de chuvas preservados. Vamos ter que combater todas as irregularidades que estão aí.

Entrevista originalmente publicada pela revista Ecológico em 21/12/2022.