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Entrevistas

Árvores da Serra da Mantiqueira podem ser extintas pelo aquecimento global

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Árvores da Serra da Mantiqueira podem ser extintas pelo aquecimento global

As florestas de elevadas altitudes da Serra da Mantiqueira, na Mata Atlântica, estão ameaçadas pelo aquecimento global. Linhagens inteiras de árvores estão fadadas à extinção local diante das mudanças nas condições climáticas, indicou estudo publicado na revista científica Plant Ecology. Em entrevista à Amda, o Engenheiro Florestal e principal autor da pesquisa, Ravi Fernandes Mariano, explicou como o clima pode afetar a composição e abundância das espécies ao longo da cadeia montanhosa.

“Os resultados da nossa pesquisa mostraram que linhagens de espécies de árvores em uma Floresta Atlântica Alto-Montana mudam com a elevação ao longo de um gradiente altitudinal, devido a mudanças nas condições de temperatura. Isso indica que essas linhagens se adaptaram, por meio de processos evolutivos, a condições específicas de clima e que, dessa forma, as mudanças climáticas globais certamente afetarão tais florestas”, afirmou o pesquisador.

Ravi Mariano é Doutor em Ciências Florestais, colaborador do Laboratório de Ecologia Florestal da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e Analista de Meio Biótico da Amda. Leia a entrevista na íntegra:

Amda – De acordo com a pesquisa, linhagens inteiras estão fadadas à extinção. O que isto representa e quais impactos à biodiversidade local traria o desaparecimento das espécies? Há uma previsão para que elas sejam extintas?

Ravi Mariano – De acordo com nossos dados, as espécies das famílias de árvores Cunoniaceae e Winteraceae correm risco de extinção local. Isso corresponderia à perda local de três espécies, o que afetaria o equilíbrio do ecossistema florestal. Essa perda de espécies afetaria as interações ecológicas do ecossistema e, mais diretamente, a fauna que utiliza os recursos oferecidos por elas (flores, frutos, sementes).

É muito difícil estipularmos um prazo para que isso ocorra, pois dependerá das taxas de aumento da temperatura em escala local e da capacidade adaptativa dessas espécies. Nós continuaremos monitorando a floresta estudada para avaliar isso. Nas próximas décadas, provavelmente observaremos o declínio das populações de espécies das famílias citadas.

Amda – Por que a Serra da Mantiqueira? Seria a região mais afetada pelas alterações climáticas na Mata Atlântica?

R.M – A Serra da Mantiqueira foi escolhida por alguns motivos. Esta serra é reconhecida internacionalmente como uma das dez áreas mais importantes do mundo para a conservação da biodiversidade, pois abriga alta biodiversidade e também espécies endêmicas e ameaçadas. Além disso, ela abriga extensas áreas naturais protegidas, ideais para estudos sobre biodiversidade.

Mundialmente, áreas montanhosas são muito afetadas pelas mudanças climáticas, o que já foi registrado em diversos trabalhos. Dessa forma, as regiões montanhosas da Mata Atlântica serão bastante afetadas, inclusive a Serra da Mantiqueira.

Amda – As mudanças do clima podem afetar outras cadeias montanhosas do bioma, como a Serra do Mar, e provocar impactos semelhantes?

R.M – Acredito que as mudanças climáticas afetarão a biodiversidade dessas regiões. Serão necessários estudos para apontar de que forma isso ocorrerá e quais espécies serão mais ameaçadas.

Amda – Sabe-se que a Serra da Mantiqueira é uma área de grande importância biológica e prioritária para a conservação de mananciais e espécies endêmicas. Extinções locais, promovidas pelo aquecimento global, podem ter efeitos e consequências sobre todo o bioma?

R.M – O processo de extinção de espécies geralmente se inicia a partir de extinções locais. Os efeitos da extinção de uma espécie provavelmente afetarão, de uma forma mais direta, apenas sua área de ocorrência.

Os ecossistemas ao longo do tempo evolutivo atingiram um estado de equilíbrio das interações ecológicas, o qual é afetado quando ocorre a extinção de uma ou mais espécies.

Amda – Dentro da área analisada há pontos mais críticos, em que os efeitos do aquecimento global são mais visíveis ou com maior potencial de dano? Há uma razão para isso?

R.M – Sim, existem locais mais críticos, porém os efeitos ainda não são visíveis. Os pontos mais afetados pelo aumento da temperatura correspondem aos locais de maior altitude, os cumes de montanhas. As florestas presentes nesses locais possuem espécies adaptadas a temperaturas mais baixas, sendo mais sensíveis ao aumento de temperatura. É nesses locais que as extinções locais aqui discutidas estão previstas.

Amda – Como chegaram aos resultados?

R.M – Nós avaliamos a comunidade de árvores em diferentes altitudes ao longo de uma montanha. Para a coleta de dados climáticos, nós instalamos pequenas estações meteorológicas em diferentes elevações no intuito de registrar as mudanças climáticas associadas à altitude. E através de modelos, nós verificamos que as mudanças nas linhagens de espécies ao longo do gradiente altitudinal estavam associadas às condições de temperatura.

Amda – Há formas de “salvar” as espécies ameaçadas pelas alterações climáticas ou minimizar os impactos?

R.M – Para mitigar os impactos causados pelas mudanças climáticas sobre a biodiversidade, os governos dos países devem seguir as diretrizes estabelecidas no Acordo de Paris, para que haja redução na emissão de gases de efeito estufa. Em 2016, o Brasil ratificou o acordo e se comprometeu a fazer alterações em sua matriz energética, assim como expandir suas áreas de restauração e reflorestamento.

Nesse momento de graves retrocessos ambientais, nosso papel como cientistas é apontar os efeitos das ações humanas sobre os ecossistemas e apresentar os caminhos que garantam um meio ambiente ecologicamente equilibrado para todos. Nesse contexto, são fundamentais as ações em defesa do meio ambiente desenvolvidas por organizações como a Amda, que tem desempenhado um papel muito importante no Estado de Minas Gerais.