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Entrevistas

A importância das abelhas para o equilíbrio ambiental

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A importância das abelhas para o equilíbrio ambiental
Crédito: arquivo pessoal

As abelhas exercem papel fundamental para o equilíbrio ambiental e para a vida humana. Até em regiões desérticas as plantas dependem desses insetos para se reproduzirem. Mas elas estão ameaçadas por diversos fatores.

Nos séculos XIX e XX, a partir da Revolução Industrial, a humanidade produziu uma expansão populacional, tecnológica e econômica em diversas regiões do planeta, o que gerou imensa pressão sobre a demanda por alimentos, fibras, energia e serviços ambientais. O espaço geográfico ocupado naturalmente pelas abelhas foi reduzido para abrir espaço para ocupação humana. Esta redução foi acompanhada por fatores como erosão dos solos, assoreamento e poluição de nascentes e cursos d’água, redução da biodiversidade e incêndios. Ao mesmo tempo, aumentou a pressão pelo aumento de produtividade das abelhas.

A Amda conversou sobre a importância dos insetos com Roberto Carlos Alves, Técnico Agrícola, Mestre em Gestão da Produção de Mel e Doutorando em Ciência Animal (Seleção de Linhagens de Abelhas) e que há 32 anos trabalha com apicultura.

Amda – Pode falar um pouco sobre o papel que as abelhas desempenham para o meio ambiente?

Roberto Carlos – A atividade mais importante das abelhas na natureza é a polinização da vegetação natural, fenômeno raramente apreciado pelas pessoas.

Ao visitar as flores em busca de alimentos – mel e pólen -, as abelhas transportam os grãos de pólen de uma flor a outra, numa mesma planta ou entre plantas diferentes, viabilizando a reprodução vegetal e a diversidade genética. Desta forma, as abelhas atuam positivamente sobre o reino vegetal, ao facilitarem a multiplicação das plantas e contribuírem para a disponibilização de abrigo e alimentação para os animais.

A maioria das espécies arbóreas de florestas tropicais é polinizada por insetos e isso geralmente significa polinização por abelhas. Da mesma forma, em regiões de clima temperado, com menor disponibilidade de abelhas na natureza, a maioria das espécies vegetais herbáceas, arbóreas e cultivadas depende das abelhas para serem polinizadas.

Até mesmo em regiões desérticas as plantas dependem das abelhas para se reproduzirem, o que implica no reconhecimento da importância destes insetos para o equilíbrio de ecossistemas muito sensíveis, cuja vida selvagem é muito frágil.

Diante da importância das abelhas como polinizadores das plantas na natureza e nas culturas (hortaliças, grãos, frutos, forrageiras, fibras, madeira), a produção apícola (mel, cera, pólen, própolis, geleia real e veneno) possui importância secundária.

A preservação das plantas silvestres é importante para manter a diversidade genética necessária para melhorar as linhagens cultivadas. Ainda que se considerem as espécies que se autopolinizam, a polinização destas espécies pelas abelhas gera significativa diversidade genética, que previne a depressão por endogamia.

A polinização realizada pelas abelhas aumenta o tamanho dos frutos e o número de sementes por fruto. Nas culturas polinizadas por abelhas, estima-se que de por 70 a 80% da polinização é realizada por abelhas domésticas (Apis mellifera) e o restante por abelhas silvestres. A maior eficiência das abelhas domésticas decorre da população numerosa (40 a 80 mil operárias), da viabilidade da criação de enxames e da possibilidade de deslocamento dos enxames por grandes distâncias.

A abelha doméstica é generalista, isto é, visita as mais diversas espécies de plantas. Muitas espécies de abelhas silvestres são especialistas, pois visitam tipos específicos de flores.

Amda – Estudos recentes têm apontado o uso de agrotóxicos como um dos principais fatores responsáveis pelo desaparecimento das abelhas. Qual é a situação hoje?

R.C. – As prováveis causas do desaparecimento das abelhas Apis mellifera (e também das abelhas silvestres) são: 1) pesticidas (inseticidas, principalmente os neonicotinoides, e fungicidas); 2) herbicidas (ação indireta, pela diminuição da diversidade de plantas apícolas); 3) viroses (destaque para IAPV – Israeli acute paralysis virus, DWV – Deformed wing virus e BQCV – Black queen cell virus); 4) varroase (Varroa destructor), geralmente associada a viroses; 5) acariose (Acarapis woodi); 6) nosemose (Nosema apis e Nosema ceranae); 7) cria pútrida americana (Paenibacillus larvae); 8) competição com abelhas nativas; 9) perda de habitat natural; 10) desequilíbrio nutricional por forrageamento em áreas com baixa diversidade vegetal durante a polinização, principalmente em monoculturas; 11) superpopulação de abelhas nos apiários; 12) fonte de água contaminada; 13) estresse na migração das abelhas, especialmente para polinização de cultivos; 14) queda de resistência a doenças, causada pelo estresse resultante da combinação dos vários agentes; 15) mudanças climáticas; 16) forrageamento de plantas geneticamente modificadas; 17) exposição a ondas da telefonia celular, que ainda carece de estudos mais profundos; 18) medicação rotineira e recomendada às abelhas (acaricidas, antibióticos).

Como se pode ver, dentre as 18 causas relacionadas, 11 pertencem à apicultura.

Os agrotóxicos, inequivocamente, são responsáveis pelo desaparecimento de abelhas em diversas regiões do planeta, mas registra-se que o fenômeno ocorre também, e de forma significativa, em regiões onde não se usam agrotóxicos.

Quanto à situação no mundo, e especialmente no Brasil, existem muitas discussões baseadas em ideologias e interesses econômicos e pouco esclarecimento científico.

Como exemplo de tendenciosidade na discussão está a omissão de informações sobre a aplicação de acaricidas, antibióticos e fungicidas nas abelhas domésticas, especialmente no hemisfério norte, onde só é possível ter enxames nas quantidades demandadas com utilização de medicação nas abelhas, no final do outono e início da primavera. Portanto, a apicultura, nessas regiões e nessas circunstâncias, também necessita utilizar agrotóxicos.

Amda – Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei federal nº 6.299/02, mais conhecido como PL do veneno. A proposta desmantela a atual Lei dos Agrotóxicos (Lei nº 7.802/1989) para atender interesses do setor e colocar ainda mais veneno no prato dos brasileiros. Se aprovado, este pode ser o fim das abelhas?

R.C. – Seria imprudente fazer afirmações sobre o fim das abelhas. O uso de agrotóxicos foi e será sempre uma situação arriscada, muito arriscada, pois as consequências podem surgir muitos anos após sua aplicação. Quanto à decisão sobre o direcionamento da legislação sobre agrotóxicos, prevalecerá a vontade da sociedade brasileira.

A Europa está fazendo esforços enormes no sentido de banir muitos agrotóxicos. A sociedade europeia está disposta a pagar o preço por alimentos cultivados em sistemas de produção com menor utilização dos agrotóxicos.

O que é incoerente é demandarmos alimentos cultivados sem agrotóxicos, por outras pessoas (transferimos para as grandes fazendas a produção de alimentos e não queremos colocar as mãos na terra para cultivar!), em grandes quantidades, a baixo custo, com aparência agradável aos olhos, dispostos nas gôndolas dos supermercados durante todos os dias do ano e com elevada duração nas prateleiras. É uma demanda que precisa ser repensada, considerando as atuais possibilidades agronômicas!

Amda – Quais outras atividades humanas prejudicam as abelhas?

R.C. – O planeta Terra, como sistema vivo, sem a presença humana, produz fenômenos diversos e absorve, no seu tempo, os impactos produzidos.

Nos séculos XIX e XX, a partir da revolução industrial, a humanidade produziu uma expansão populacional, tecnológica e econômica espetacular, em diversas regiões do planeta, a gerar imensa pressão sobre a demanda por alimentos, fibras, energia e serviços ambientais, que culminou na “revolução verde”.

Neste cenário inusitado, ao mesmo tempo em que o espaço geográfico ocupado naturalmente pelas abelhas (e por outros animais e plantas!) em equilíbrio foi reduzido para abrir espaço para a ocupação humana (cidades, estradas, redes elétricas, indústrias, represas, cultivos e movimentação intensa de máquinas e equipamentos), as demandas humanas pressionaram as abelhas (e outros animais e plantas!) para elevarem a quantidade e a qualidade dos produtos e serviços demandados pela sociedade de consumo.

Por um lado, a indústria, a agricultura e a pecuária, utilizadoras de processos e insumos muito impactantes, garantiram a elevada produção de bens e serviços demandados pela sociedade capitalista, consumista e urbanizada. Por outro lado, apresentaram o preço a pagar, para o meio ambiente, num rastro de impactos ambientais negativos (erosão dos solos, assoreamento de nascentes e cursos d’água, diminuição da biodiversidade, devastação de biomas complexos e sensíveis, alteração da paisagem, intoxicação de pessoas, contaminação do ar, dos solos e das águas).

Resumindo: estamos “batendo mais” nas abelhas (e na natureza como um todo!) e pedindo que elas produzam mais e melhor.

Amda – Qual impacto da extinção das abelhas para o meio ambiente? E como isto impacta os humanos?

R.C. – Mentes lúcidas especulam que seria uma grande catástrofe. Albert Einstein disse que “se as abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora, sem flora não há animais, sem animais, não haverá raça humana.” Mesmo que seja razoável interpretar alguns aspectos da afirmação de forma simbólica, a essência do recado é compreensível.

Marla Spivak, grande pesquisadora norte-americana, na direção da afirmação de Einstein, disse que “as abelhas são os polinizadores mais importantes de nossas frutas, verduras, flores e das plantas que alimentam os animais. Mais de um terço da produção mundial de grãos depende da polinização das abelhas.”

Amda – Desde 1986 você trabalha com apicultura. O que mais o encanta nas abelhas? E como se envolveu neste ramo?

R.C. – O que mais encanta na lida com as abelhas é a oportunidade que este pequeno animal nos dá para ampliarmos a nossa visão sobre a natureza e sobre nós mesmos. A exploração sustentável da apicultura exige sensibilidade, educação, disciplina, paciência, persistência e dedicação.

Apicultura é atividade adequada a pessoas disciplinadas (a produção apícola acontece em obediência às peculiaridades das abelhas e aos caprichos da natureza!), de modestas pretensões materiais, que admitem trabalhar muito, em atividades pesadas, para receberem remuneração mediana e variável. É por isso que a maior parte dos empreendimentos apícolas no mundo pertence a famílias; são muito raros os empreendimentos apícolas empresariais, como alguns poucos norte-americanos e australianos.

O meu envolvimento com as abelhas se deu ainda na infância, quando ouvia belas histórias de minha mãe sobre as suas vivências com as abelhas, criadas em balaios ou caixotes de madeira. Eram as abelhas europeias, mansas e alojadas ao lado das residências.

Com a chegada das abelhas africanas no Brasil, em 1956, a mansidão da abelha europeia deu lugar à agressividade da abelha africanizada e aquela apicultura tradicional foi extinta.

Na infância, junto com pessoas simples do campo, eu procurava enxames de abelhas africanizadas, alojados em árvores e cupinzeiros, que eram posteriormente desalojados para colheita extrativista e predatória do mel.

Em 1986, após a chegada de tecnologias que permitiam criar racionalmente as abelhas, adquiri 15 colmeias, na primeira oportunidade que tive. Em 2004, após convênio para utilização de áreas da Celulose Nipo-Brasileira (Cenibra) para criar abelhas, passamos para 250 colmeias. Em 2013 ampliamos para 400 colmeias.

A partir de 2010 continuei os estudos nas áreas de gestão da produção de mel e seleção de linhagens de abelhas para produção de mel. Para a nossa família, a apicultura é uma atividade que sempre oferta fartura na mesa, rendimento financeiro muito significativo e bons relacionamentos.

Amda – Você desenvolve algum trabalho de educação ambiental? Pode falar sobre isto?

R.C. – Temos alguns enxames preservados de abelhas nativas (uruçu, mandaçaia, jataí, boca-de-sapo), expostos a visitantes.

Como a abelha jataí é abundante no Brasil, sempre que possível fazemos doação de enxames destas abelhas, especialmente a crianças, com o objetivo de despertar o senso ecológico.

Para o trabalho de educação ambiental com as abelhas Apis, dispomos de colmeia de observação para exposição de pequeno enxame em eventos e escolas.

A propriedade onde moramos, trabalhamos com as abelhas e com outras atividades, obedece as leis ambientais, apresenta alguns conceitos estabelecidos de sustentabilidade e possui uma diversidade de plantas (naturais e cultivadas) muito favorável às abelhas nativas e Apis.

Procuramos nos esforçar para que a sustentabilidade, cujo conceito e prática são dinâmicos, comece na nossa casa.