Estudo indica áreas prioritárias para a conservação marinha no Brasil
Uma equipe de onze pesquisadores de instituições nacionais e internacionais liderada por Rafael Magris, oceanógrafo e analista ambiental do ICMBio, publicou o mais detalhado levantamento sobre a distribuição de ameaças à biodiversidade marinha no Brasil, como a pesca industrial, as mudanças climáticas e a poluição.
O artigo combinou dados de distribuição de 143 espécies ameaçadas, 161 habitats marinhos e 24 fatores de impacto humano para identificar áreas prioritárias para a conservação, que somam 286 mil km2 ou 7,9% da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do mar brasileiro.
Em entrevista ao ((o))eco, a pesquisadora do Blue Carbon Lab da Deakin University, na Austrália, e segunda autora do artigo, Micheli Costa, falou sobre o estudo e a importância da criação de unidades de conservação marinhas em áreas estratégicas.
Leia a entrevista completa:
((o))eco – Nos últimos anos houve a criação de muitas UCs costeiras e marinhas, que fez o percentual crescer de 1,5% para 26,3% do total de áreas protegidas no Brasil, caracterizando um avanço significativo no cumprimento das metas internacionais relacionadas ao tema. Na sua avaliação, a criação dessas áreas foi suficiente ou ainda há muito o que proteger? As atuais UCs estão efetivamente protegendo nossa biodiversidade marinha?
Micheli Costa – Ainda temos muito a fazer para garantir a proteção de ambientes marinhos e costeiros na costa brasileira. É importante lembrar que desses 26,3% de áreas protegidas alcançado nos últimos anos pelo Brasil, somente 2,5% da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) brasileira está protegida por unidades de conservação de proteção integral, dentre as quais a maior extensão espacial encontra-se em área oceânica. Consequentemente, isso gera uma enorme lacuna de proteção na zona costeira e de seus ambientes. Atualmente, a maior parte das UCs marinhas são de uso sustentável, oferecendo proteção parcial.
De maneira geral, o processo de criação de UCs no Brasil ainda não leva em consideração as ferramentas de planejamento sistemático, visando representar as diferentes espécies e habitats da nossa ZEE. Esse aumento no total de áreas protegidas de 1,5% para 26,3% é um grande exemplo disso. Nesse caso, quatro grandes UCs foram criadas em região oceânica, o que somente reforça a necessidade de investirmos nossos esforços para a proteção de habitats e espécies em toda a costa brasileira.
((o))eco – Por que vocês consideram que a meta de Aichi de proteger 10% das áreas marinhas e costeiras pode falhar em manter a persistência da biodiversidade a longo prazo?
M.C – A meta de Aichi de proteger 10% dos oceanos é controversa em alguns aspectos. Primeiro, é que essa meta não especifica se os países devem considerar somente áreas de proteção integral, ou se áreas de proteção parcial entram na contagem. Isso leva a uma interpretação variada por várias partes. Por exemplo, se considerarmos que o Brasil tem somente 2,5% de sua ZEE protegida por UCs de proteção integral, o país ainda está muito aquém de atingir essa meta internacional. Por outro lado, se considerarmos que a meta também inclui áreas de proteção parcial, o país já teria ultrapassado a meta, em termos de área.
O segundo ponto, e talvez mais importante, é que a meta de Aichi 11 estabelece que as áreas protegidas sejam ‘manejadas efetivamente, ecologicamente representativas e bem conectadas em um sistema de áreas protegidas’. Dessa forma, se avaliarmos todo o sistema de Unidades de Conservação, podemos dizer que o Brasil ainda está muito distante de formar uma rede conectada de UCs, de forma representativa, e efetiva, o que certamente garantiria a persistência da biodiversidade marinha a longo prazo.
((o))eco – Com a metodologia utilizada vocês conseguiram mapear algumas áreas prioritárias, que correspondem a 7,9% da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do Brasil, e, dentre estas, algumas de prioridade “top”, que correspondem a 2,3% da ZEE (83 mil km2), localizadas principalmente na região Sudeste e no sul da Bahia onde, segundo o estudo, a sobreposição de fatores de risco e biodiversidade são especialmente preocupantes. O que torna essas áreas prioritárias para conservação e o que diferencia as áreas “top” das demais?
M.C – O mapa de áreas prioritárias que corresponde a 7,9% da ZEE considera áreas que são mais impactadas OU que tem uma ‘insubstituibilidade’ alta (i.e., ou seja, o quanto uma área é importante para garantir que todos os requerimentos de conservação sejam alcançados). Com base nesse resultado, podemos refinar ainda mais, e concentrar os esforços naquelas áreas onde temos uma alta ‘insubstituibilidade’ E são também mais impactadas (i.e., áreas de prioridade máxima).
((o))eco – As áreas prioritárias do estudo incluem os recifes e bancos de macroalgas na plataforma continental externa do Amazonas, áreas profundas de montes submarinos na costa Nordeste, a região sul do banco dos Abrolhos e áreas costeiras na costa leste, sudeste e sul do Brasil. Quão factível você considera a criação de áreas protegidas nessas áreas para a próxima década?
EM.C – u gostaria de acreditar que sim [é factível]. Recentemente, o Ministério do Meio Ambiente revisou o sistema de áreas prioritárias, em 2018. Porém, o processo de identificação de áreas prioritárias utilizado pelo MMA não leva em conta determinados processos ecológicos (e.g., conectividade, mitigação de impactos humanos) considerados pelo nosso estudo. Dessa maneira, os resultados obtidos com nosso trabalho podem guiar futuras tomadas de decisão no âmbito da conservação marinha no Brasil.
É importante lembrar também que 2021-2030 corresponde a Década dos Oceanos para o Desenvolvimento Sustentável, a qual foi estabelecida pela ONU e visa a conservação e o uso sustentável dos oceanos. Além disso, atualmente, a Convenção para a Diversidade Biológica está revisando as metas para o período pós-2020. Nesse caso, a criação de UCs marinhas de maneira sistemática, representativa e se utilizando dos princípios do planejamento espacial marinho, é essencial para a proteção da nossa biodiversidade a longo prazo e para o Brasil atingir as atuais e futuras metas internacionais.
Fonte: O Eco