Entrevistas

Projeto de conservação restaura população do mico-leão-preto

Projeto de conservação restaura população do mico-leão-preto
Mico-leão-preto e seu filhote

Desde 2011, a bióloga Gabriela Cabral Rezende integra a equipe do Programa de Conservação do Mico-leão-preto (PCMLP), desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). O produto final do seu Mestrado em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (ESCAS), do IPÊ, foi um livro. A publicação registrou os esforços para conservação deste primata que existe apenas na Mata Atlântica do estado de São Paulo e que já foi considerado extinto da natureza. O livro Mico-Leão-Preto: A História de Sucesso na Conservação de uma Espécie Ameaçada será lançado nesta quarta-feira (19), em São Paulo.

A expectativa da bióloga é que a publicação seja “capaz de inspirar e motivar pessoas que acreditam em uma causa a lutarem por seus objetivos, principalmente se essa causa for a conservação de uma espécie, um grupo de espécies ou um ecossistema ameaçados a desaparecer. Se algum projeto surgir por conta disso, ou mesmo se mais pessoas se envolverem com a conservação após lerem o livro, meu sentimento será de missão cumprida”, finalizou.

Confira a entrevista:

Amda – Qual é a sua profissão? Em qual área você atua no IPÊ?

Gabriela Cabral Rezende – Sou bióloga, formada pela UNESP de Botucatu e mestre em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável pela ESCAS/IPÊ. Atualmente sou pesquisadora e coordenadora das atividades do Programa de Conservação do Mico-leão-preto (PCMLP), desenvolvido pelo IPÊ.

Amda – Você trabalha diretamente com projetos de conservação do Mico-leão-preto? Há quanto tempo?

GCR – Durante o mestrado no IPÊ, tive a oportunidade de me envolver com o projeto do mico-leão-preto, do qual integro a equipe desde 2011. No final de 2013 assumi a coordenação.

Amda- Qual é o nome do projeto e quando ele começou? A iniciativa é do IPÊ?

GCR – O Programa de Conservação do Mico-leão-preto teve início em 1984, no Pontal do Paranapanema, com atividades de pesquisa e Educação Ambiental desenvolvidas pelo casal Claudio e Suzana Padua. O IPÊ foi criado em 1992, quando o Programa foi oficializado. Em 2014 estamos comemorando os 30 anos de atuação do PCMLP, cujas atividades deram origem ao Instituto e ao seu modelo de atuação, utilizado até hoje.

Amda – Como é sua atuação nesse programa?

GCR – O programa tem uma atuação multidisciplinar, que tem como base a pesquisa com a espécie, que gera informação para o desenvolvimento de projetos em outras áreas, principalmente no manejo de habitat e da paisagem, envolvimento comunitário e influência de políticas públicas. O planejamento das atividades é conjunto e a equipe do programa acaba se envolvendo em mais de uma dessas áreas como uma forma de aumentar a efetividade das ações. A minha atuação, especificamente, é pensar nas estratégias de atuação conjunta, tendo o mico-leão-preto como foco, elaborar propostas para a arrecadação de recursos para o desenvolvimento das ações de conservação da espécie e coordenar as atividades de pesquisa e manejo de populações na natureza. Mas isso acaba se estendendo à participação nas atividades de envolvimento comunitário, ao planejamento de ações para o aumento da conectividade entre os fragmentos ou à elaboração de propostas para a proteção de novas áreas.

Amda- Qual o objetivo principal do projeto? Existe uma meta de animais que o programa queira alcançar?

GCR – O principal objetivo desse programa integrado é garantir populações autossustentáveis e viáveis de mico-leão-preto ao longo de sua área de distribuição, através do aumento do tamanho, conectividade e qualidade do hábitat, e do envolvimento de comunidades na conservação. Para ser viável no longo prazo, uma população de mico-leão-preto deve constituída por, no mínimo, 750 indivíduos. A meta é garantir ao menos duas populações com esse tamanho mínimo.

Amda – O projeto tem tido resultados positivos? Você pode nos informar alguns dados?

GCR – O projeto apresentou diversos resultados positivos ao longo dos anos. A espécie, que já foi considerada extinta, foi redescoberta com uma população aproximada de 100 indivíduos. Atualmente, esse tamanho já supera 1000. Temos uma população estabelecida há quase 20 anos por meio de translocações de micos a um fragmento onde a espécie não era mais encontrada. Uma unidade de conservação foi criada em 2002, a Estação Ecológica Mico-leão-preto, no Pontal do Paranapanema, com mais de 6.000 hectares de área protegida para a espécie. O planejamento regional da paisagem na região do Pontal está garantindo a restauração da conectividade entre os fragmentos de ocorrência de mico-leão-preto. Em 2012 foi finalizado o maior corredor de biodiversidade já reflorestado no Brasil, com 1,4 milhões de árvores que ligam a Estação Ecológica Mico-Leão-Preto ao Parque Estadual Morro do Diabo. As estratégias de envolvimento comunitário, que incluem atividades de educação ambiental e o desenvolvimento de alternativas sustentáveis de geração de renda, já abordaram mais de 20 mil pessoas ao longo dos anos. Por conta de todos esses esforços, a classificação do mico-leão-preto na lista vermelha da UICN passou de “Criticamente Ameaçada” para “Ameaçada” em 2008, mas ainda há muito a se fazer!

Amda – Quantos animais integram o projeto atualmente?

GCR – Atualmente, a população conhecida de mico-leão-preto se resume a pouco mais de mil indivíduos, distribuídos em aproximadamente 20 fragmentos florestais isolados ao longo de sua área de distribuição (entre os rios Tietê e Paranapanema, no interior de São Paulo). Apesar dos números, apenas a população do Parque Estadual Morro do Diabo, no Pontal do Paranapanema, pode ser considerada demográfica e geneticamente viável, concentrando mais de 80% dos indivíduos em um único fragmento; as demais populações, cujas áreas ocupadas são incapazes de sustentar populações viáveis em longo prazo (devido ao tamanho reduzido e falta de conectividade entre os fragmentos), sofrem um elevado risco de extinção. O PCMLP procura atuar ao longo de toda essa área, no Alto, Médio e Baixo Paranapanema, a fim de melhorar a situação da espécie.

Amda – Dentro do projeto existem ações de conscientização ambiental da população?

GCR – Uma das estratégias utilizadas pelo Programa desde o início é a Educação Ambiental. No Pontal do Paranapanema, a equipe do IPÊ planeja e desenvolve atividades em conjunto com as escolas e Diretoria de Ensino da região, inserindo-as no calendário letivo anual como parte do conteúdo programático. Além disso, outras ações de capacitação, exposições e oficinas em locais públicos, aparições em programa de rádio e em jornais, entre outras estratégias, são desenvolvidas a fim de atingir um público mais amplo. A conscientização e o envolvimento da população também são feitos através do desenvolvimento de alternativas sustentáveis de geração de renda, para que pessoas que dependem das florestas para sua subsistência atuem conosco em prol da conservação, e nao contra ela. Para isso, existem projetos como “Buchas Ecológicas”, “Café com Floresta” e “Viveiros Comunitários” que possibilitam a exploração dos recursos naturais de forma a gerar renda para as comunidades, causando o mínimo impacto ao ambiente.

Amda – Quando e como surgiu a ideia de publicar um livro tendo como base seu produto do Mestrado?

GCR – A ideia de publicar um livro surgiu a partir das entrevistas com as pessoas que integraram o projeto. A princípio, o foco do meu trabalho era avaliar as estratégias utilizadas pelo PCMLP ao longo dos anos, principalmente no que dizia respeito ao planejamento das ações e o quanto os resultados estavam de acordo com o planejado. Ao conversar com essas pessoas que participaram do planejamento e execução das ações, comecei a ver o quão rica era a história e que muitas das decisões não foram plenamente planejadas, mas sim tomadas no calor da emoção, sempre priorizando o bem da espécie. E essa história de sucesso tão rica em detalhes e aprendizados ia se perder com o passar dos anos, mas se fosse registrada, poderia servir de exemplo e inspiração pra muita gente. E assim surgiu a ideia do livro. Como no mestrado da ESCAS/IPÊ temos a liberdade de produzir trabalhos que não necessariamente sejam uma dissertação, mas algo que tenha maior aplicação ou impacto, comecei a escrevê-lo no formato de um livro, com a esperança de publicar posteriormente. E assim aconteceu!

Amda – Qual sua expectativa com a publicação?

GCR – Minha maior expectativa é que a publicação seja capaz de inspirar e motivar pessoas que acreditam em uma causa a lutarem por seus objetivos, principalmente se essa causa for a conservação de uma espécie, um grupo de espécies ou um ecossistema, ameaçados a desaparecer. Se algum projeto surgir por conta disso, ou mesmo se mais pessoas se envolverem com a conservação após lerem o livro, meu sentimento será de missão cumprida.

Amda – Você já participou ou pretende fazer parte de projetos de conservação de outros animais?

GCR – Ao longo da minha trajetória profissional, já havia trabalhado em outros projetos de conservação, principalmente com espécies marinhas. Fui assistente de pesquisa da Endangered Wildlife Trust na Costa Rica, que atua na conservação de tartarugas marinhas na costa caribenha. Também atuei como estagiária e trainee de Educação Ambiental no Projeto TAMAR, na Bahia e Espirito Santo. E antes disso, havia realizado alguns trabalhos com conservação de pinguins de Magalhães em colônias reprodutivas da Patagônia argentina e em suas áreas de migração na costa brasileira. A possibilidade de replicar estratégias de conservação entre um projeto e outro, adaptadas à realidade local, foi um dos motivos que me incentivou a abordar esse assunto no livro.