Entrevistas

A explicação pode estar na água

A explicação pode estar na água

Depois da expedição “Brasil das Águas”, que mapeou a qualidade dos rios do país, o engenheiro mecânico, piloto e ambientalista Gérard Moss está, mais uma vez,usando tecnologia como solução para o meio ambiente. Há mais de um ano, ele sobrevoa o Brasil dentro de uma pequena aeronave, acompanhando o deslocamento das massas de ar que transportam vapor de água de norte a sul do País. De Belém até o interior do Amazonas – e nas zonas centrais do Brasil, Gérard coleta amostras de gotas de água que são arrastadas por correntes de ar. O nome do projeto é “Rios Voadores” e está possibilitando aos cientistas investigar a origem das chuvas no Centro-Oeste, Sudeste e no Sul do Brasil e sua relação com os desmatamentos na Amazônia. Para conseguir diferenciar a composição do ar em diferentes camadas atmosféricas, a coleta geralmente ocorre entre 500 e dois mil metros acima do nível do mar, em tubos de 40 centímetros, contendo uma pequenina gota de água. Nesta entrevista ao AMBIENTE HOJE, o desbravador aéreo fala do experimento pioneiro, que pode ser capaz de desvendar alguns mistérios das alterações climáticas.

Como foi sua experiência com o Projeto anterior “Brasil das Águas”? E por que agora, os “Rios Voadores”?

No “Brasil das Águas”, foi possível percorrer todo o país coletando amostras de água doce a bordo de um avião anfíbio. O resultado do trabalho mostrou a importância de proteger os recursos hídricos do país, tratando com urgência esgotos industriais e domésticos, controlando desmatamento que causa assoreamento dos rios, e reabastecendo lençóis freáticos. “Rios Voadores” é um projeto diferente. Estamos tentando estabelecer a relação que existe entre a umidade da Amazônia e o estoque de umidade para outras regiões do Brasil. Queremos entender melhor as origens, tanto das grandes tempestades, que têm gerado conseqüências cada vez mais desastrosas para boa parte da população, quanto dos extensos períodos de seca que atingem parte do país. Vamos tentar identificar e quantificar esses fenômenos.

Como os resultados do projeto podem ter impacto de melhoria na sociedade?

O objetivo da expedição é mostrar como correntes de ar carregadas de umidade saem da região amazônica e afetam o nível hídrico no Sul e Sudeste do Brasil. Os resultados podem comprovar cientificamente que existe relação entre rios voadores, desmatamentos na Amazônia e alterações climáticas. Essa discussão pode mudar a cabeça das pessoas, ajudando-as a imaginar um rio que não dá para ver na atmosfera, mas que existe e é muito importante. Resguardar rios e florestas é a solução para os problemas ambientais da atualidade. O estudo desses fenômenos pode aproximar a população dos grandes centros urbanos das questões relacionadas ao meio ambiente que as afeta diretamente.

O que o cidadão pode fazer, em termos práticos, para cuidar das águas e das florestas?

É fundamental que cada cidadão saiba que exerce impacto sobre o planeta e que tem responsabilidade de cuidar dos recursos naturais disponíveis. Não adianta apenas criticar o governo. Cada um tem de se perguntar: o que eu posso fazer para diminuir o impacto na natureza? Pensar se é possível consumir um pouco menos e refletir sobre questões como o uso da água e reciclagem do lixo. Cada um em casa, ou na escola, pode contribuir para um consumo sustentável. Consumir com inteligência e racionalidade certamente diminui a pressão sobre o meio ambiente.

Com base nas pesquisas já realizadas, quais são as consequências do desmatamento na Amazônia e o que pode ser feito para evitá-lo?

O corte de uma árvore de grande porte na Floresta atinge não só a Amazônia, mas outras regiões, já que a água que essa árvore deposita na atmosfera é transportada pelos ventos. Entre todos os problemas que a Amazônia sofre hoje – madeireiros ilegais, plantio de soja etc. -, o maior avanço do desmatamento na região é causado pela agropecuária, atividade que precisa ser combatida com mais convicção. Tem mais gado que gente na Amazônia. São mais de 75 milhões de cabeças de gado bovino. Se fôssemos contabilizar os lucros relacionados às atividades ligadas à agropecuária, envolvendo custo real da terra, impostos, custos ambientais, ameaças de escassez de água e mudanças climáticas, concluiríamos que a atividade não tem lucratividade alguma. Para mim, hoje, a grande questão é: não deveríamos ter criação de gado na Amazônia. Temos outras regiões do Brasil onde essa atividade pode ser realizada. Nosso país tem recursos inimagináveis. Mas, na questão ambiental, é preciso pensar que o melhor, o mais prático, barato e inteligente é evitar danos ambientais. Não adianta gastar bilhões de reais depois para tentar reparar danos que podem ser impedidos. Os esforços devem ser para evitar estes danos.

Alguns especialistas preveem um cenário de savanização na Amazônia. Como você avalia este risco?

Não há dúvida de que o processo pode ocorrer. A Amazônia não tem um bioma único. A regiãonão é uniforme e possui vários tipos de biomas florestais. A região leste é mais propícia à savanização. Eu não sou cientista, não sou especialista neste assunto, mas ouvindo meus colegas pesquisadores, o que me assusta muito é o fato de que à medida que a floresta perde umidade, fica mais vulnerável. Tivemos o exemplo da estiagem e da baixa umidade do ar que causaram incêndios em Rio Branco, no Acre, em 2005. Neste caso, a umidade natural da mata não conseguiu controlar as queimadas.