Anos 70 – o embrião do ambientalismo
Os primórdios da história da Amda confundem-se com os primeiros passos do movimento ambientalista em Minas Gerais. Na década de 70, o país era uma pátria dividida entre o Brasil dos militares “desenvolvimentistas”, que sonhavam com o país alçado à condição de potência mundial, e outro Brasil, que sofria nas prisões e na vida clandestina. Na Conferência de Meio Ambiente de Estocolmo, na Suécia, em 1972, os desenvolvimentistas convidaram indústrias de outros países a se instalarem aqui, mesmo que o preço a ser pago fosse a degradação do meio ambiente.
Sem querer, o Brasil desenvolvimentista, que defendia o crescimento econômico a qualquer custo, trazia dentro de si o embrião de um movimento social até então quase totalmente estranho à nossa história. Aqui e ali, principalmente nos grandes centros, pequenos grupos começaram a levantar bandeiras até então desconhecidas no país: criticavam a poluição causada pelas grandes indústrias, inclusive estatais. A cidade de Cubatão, em São Paulo, era o pior exemplo. Os militares não souberam classificá-los muito bem do ponto de vista ideológico, pois seus slogans não eram destinados diretamente a seu governo. Mas como qualquer organização da sociedade era vista como subversiva, optaram por taxar seus militantes de “verdes melancias” – verdes por fora, mas vermelhos (“comunistas”) por dentro.
Em Minas, os ambientalistas já começavam a colecionar algumas vitórias. O Centro para a Conservação da Natureza em Minas Gerais, liderado pelo odontólogo Hugo Werneck, com apoio da Amda, que acabava de “nascer”, conseguiu evitar a construção de estrada que cortaria a principal reserva natural de Mata Atlântica ainda existente hoje no estado, o Parque Estadual do Rio Doce, através de liminar concedida pelo juiz federal Antônio Amaro Filho. Foi uma das primeiras decisões judiciais favoráveis ao meio ambiente e o fato gerou grande repercussão na imprensa, mostrando pela primeira vez à sociedade a bandeira ambiental.
Embora contasse com a simpatia de segmentos cada vez mais expressivos da sociedade civil, inclusive no meio acadêmico, a luta em defesa do meio ambiente não incomodava os militares, que não a viam como ameaça à segurança nacional. No caso do Parque do Rio Doce, o governo do Estado preferiu sepultar o assunto e não comprou a briga. Afinal de contas, a estrada não iria trazer maiores benefícios ao desenvolvimento nacional. Não iria gerar nem empregos, nem impostos. Nem iria permitir que o Brasil substituísse insumos importados pelo similar nacional, como pregava a cartilha dos desenvolvimentistas da época.
Itaú aflora a contradição
Essa “visão” sofreu o primeiro baque em 1975, quando a tentativa de fechar a fábrica de cimento Itaú, em Contagem – implantada em 1945 -, pelo então prefeito do município, Newton Cardoso, apontou, pela primeira vez no país, de forma concreta, a contradição entre desenvolvimento – mais especificamente, qualidade de vida humana – e meio ambiente, pois a poluição atmosférica gerada pela empresa atormentava os moradores da região. A ousadia do prefeito – diga-se de passagem, motivada somente por interesse eleitoreiro, pois seu governo no Estado, durante 1987 a 1991, foi um dos piores na área ambiental -, gerou frutos. A empresa imediatamente recorreu à Presidência da República e voltou a funcionar e os militares promulgaram o Decreto-Lei 1413, que estabeleceu competência restrita ao governo federal para fechar indústrias poluidoras de segmentos considerados como de interesse da segurança nacional, como o das cimenteiras. Cinco anos mais tarde, a Itaú resolveu o problema com a instalação de filtros.
Outro fruto foi a criação do Grupo Executivo de Ciência e Tecnologia, embrião da futura Diretoria de Tecnologia de Meio Ambiente (DTMA) da Fundação João Pinheiro, no governo Aureliano Chaves, em abril de 1975.
Um enclave democrático
O governo Aureliano Chaves representou um avanço em relação ao de seu antecessor, Rondon Pacheco, que, no início de 1974, chegou a vetar lei aprovada pela Assembleia recomendando criação de um Conselho Estadual de Meio Ambiente, alegando que a medida poderia inibir o crescimento industrial do Estado. Ao mesmo tempo, criou grupo especial para apresentar proposta alternativa no prazo de 60 dias, tarefa que ficou para Aureliano, que trouxe da França um dos expoentes da ciência e tecnologia em Minas, o professor José Israel Vargas.
A ele juntaram-se, entre outros, o geógrafo Roberto Messias Franco e o Engenheiro de Minas Octávio Elísio Alves de Brito, responsáveis pela criação da Comissão de Política Ambiental (Copam) – futuro Conselho Estadual de Meio Ambiente -, sendo este último seu primeiro secretário-executivo.
O Copam foi o primeiro órgão deliberativo de política ambiental criado no Brasil a contar com participação da sociedade civil organizada para defesa do meio ambiente. Para um país mergulhado nas trevas do autoritarismo, no qual o uso dos recursos naturais era decidido pelos militares e grandes corporações econômicas, tratava-se de um grande avanço. A implantação da Cia. Mineira de Metais, por exemplo, pertencente ao Grupo Votorantim em Três Marias, foi definida pela facilidade de despejar seus rejeitos, altamente tóxicos, no rio São Francisco. Da mesma forma ocorreu com a rodovia transamazônica, cuja construção foi definida no gabinete dos militares.
Apenas a título de comparação: o Copam foi criado no mesmo mês em que o governo Geisel – ao qual Aureliano estava ligado politicamente – fechou o Congresso por duas semanas e baixou o “pacote de abril”, como ficou conhecido o conjunto de medidas que mudava as regras para as eleições do ano seguinte e criava a figura do senador biônico, a ser indicado pelo poder central.
Mãos à obra
Em sua primeira reunião, os conselheiros do Copam apreciaram um projeto polêmico: o pedido da Minerações Brasileiras Reunidas (MBR) para derrubada de 230 hectares da Mata do Jambreiro, ao sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte, visando ampliar a barragem de rejeitos da Mina de Águas Claras. O pedido foi negado e após muita pressão da opinião pública, capitaneada pelo Centro para a Conservação da Natureza em Minas Gerais (CCNMG), a empresa criou a Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) do Jambreiro.
Em julho de 1977, outra cimenteira, a Soeicom, também entrou na alça de mira do órgão ambiental quando um acidente danificou seu filtro eletrostático e causou verdadeira comoção em Vespasiano. Diferentemente da Itaú, na Cidade Industrial, a Soeicom permaneceu fechada até que o problema nos filtros fosse corrigido.
Até esta época, o Estado possuía um órgão ambiental formalmente constituído, mas não contava com aparato legal que lhe garantisse sustentação e os compromissos firmados eram frequentemente descumpridos sem que houvesse previsão legal de punição das empresas. O poder de polícia só veio em setembro de 1980, através da Lei 7.772.
Surge a Amda
Até os últimos anos da década de 70, o Centro para a Conservação da Natureza era a única entidade ambientalista de peso existente no Estado. Sua ação foi importante para preservação da Mata do Jambreiro e criação da Reserva Ecológica do Tripui, em Ouro Preto, berço do fóssil peripatus acacioi.
A Amda foi fundada em agosto de 1978 por um grupo de estudantes da Faculdade de Ciências Econômicas e do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).. Entre os membros deste grupo estavam a economista Maria Dalce Ricas, atual superintendente executiva da entidade, o empresário Leonardo Fares Menhen, o biólogo Francisco Mourão Vasconcelos, o economista Paulo Roberto Paixão Bretas e o psiquiatra Francisco Paes Barreto, criador do nome da entidade.
Segundo Dalce Ricas, a Amda surgiu a partir da constatação de que era importante uma entidade que fizesse a ligação entre meio ambiente e fatores políticos, econômicos e culturais e enfrentasse empresas poluidoras e o poder público.
Egressa do movimento estudantil, Dalce foi presa política. Na prisão, sofreu torturas. Anos após ter sido colocada em liberdade, ela encontrou na luta ambiental a continuidade de sua militância política.