Opinião

Lula anunciou “desmatamento zero” na Amazônia até 2030, mas…

Marcus Cavalcanti disse que o governo é favorável ao avanço do PL 36/21, que “desburocratiza” o licenciamento ambiental.

*Dalce Ricas

Desde que tomou posse, em janeiro de 2023, Lula vem anunciando o compromisso de desmatamento zero na Amazônia até 2030. “E eu vou buscar isso a ferro e fogo. E vou precisar das Forças Armadas, vou precisar da Polícia Federal […], para que a gente possa resolver esse problema definitivamente no Brasil”, disse em 18 de janeiro de 2023.

Mas poucos dias atrás, em 26 de março de 2025, o secretário da Casa Civil da Presidência da República Marcus Cavalcanti disse que o governo é favorável ao avanço do PL 36/21, que “desburocratiza” o licenciamento ambiental. As duas declarações batem de frente. Será que o secretário se esqueceu da promessa do Presidente?

A “desburocratização” tem como guia facilitar quem degrada, nem uma linha para beneficiar os “doidos” que preservam ambientes naturais. Os Observatórios do Clima e do Código Florestal, a Rede Pró UC e a Frente Parlamentar Ambientalista, em nota, registram que o PL é um incentivo descarado ao desmatamento, ao propor, por exemplo, estender de cinco para dez anos o conceito de pousio. Em quase todos os ecossistemas brasileiros, o grau de regeneração da vegetação em dez anos é muito alto, servindo como abrigo a inúmeras espécies da fauna.

O PL prevê ampliar as atividades em APPs (áreas de preservação permanente, que incluem nascentes, margens de cursos d’água e faixas de alta declividade, entre outras áreas ambientalmente sensíveis), sob a alegação de “interesse social” ou “utilidade pública”. Ora, interesse social é um leque em que cabe qualquer coisa, principalmente para atender interesses políticos e econômicos.

Permite ainda que a regularização de áreas desmatadas ilegalmente em reserva legal tenha início dois anos após a publicação da lei, concedendo um “prazinho” aos desmatadores. Talvez para terem tempo de dar um jeito de “deixar como está”. E já que o crime continua compensando, beneficia quem desmatou Reserva Legal entre 22 de julho de 2008 e 31 de dezembro de 2020, e permite realocação RL em área de qualidade ambiental inferior.

O PL ameaça os ecossistemas campestres de todos os biomas do país, ao ampliar o conceito de área de uso consolidado, e inventa a ridícula “homologação tácita” de Cadastros Ambientais Rurais que não forem analisados dentro de um prazo (…)”. Isso desconsidera uma das principais dificuldades do já quase finado CAR – que não sai do papel, porque os ruralistas não deixam e o poder público não tem interesse -, que é a baixa qualidade de informações de muitos cadastros. Ou seja: o proprietário dá informações erradas ou falsas, que passam a valer como verdade.

Facilita desafetação, redução e recategorização das poucas Unidades de Conservação (UCs) no país, já sob ataque, principalmente na Amazônia. A floresta não tem “Plano Safra”, e  bancos estatais e privados não financiam proteção e recuperação.   E, ainda, no perigoso caminho do autoritarismo ditatorial no país, que tem a exclusão da sociedade civil da gestão dos recursos naturais como seu parâmetro principal, o PL permite que o órgão gestor da UC exclua áreas legalmente protegidas, mesmo sendo isso constitucionalmente possível apenas por lei. É mamata demais para grande parcela da iniciativa privada que saqueia a terra, a água, a fauna e as florestas, e cinicamente debocha e rotula ambientalistas, presidente do Ibama e a ministra do meio ambiente, como “inimigos do desenvolvimento”. A turma que pensa assim é composta pelos velhos e novos herdeiros da teoria da ditadura militar, de que a Amazônia é “espaço vazio”. Indígenas e animais não prestam para nada. Fica, então, apear de tênue, a esperança de que prevaleça a declaração do Presidente. 

*Dalce Ricas é superintendente executiva da Amda.