Opinião

Licenciamento ambiental tipo ‘fast food’: rápido, rasteiro e indigesto

*Mariana Mota

Imagine um país onde se pede uma licença ambiental como quem compra um combo de fast food. Pois é exatamente esse o cenário que se impõe com a aprovação no Senado do PL 2.159/2021, o chamado novo marco do licenciamento ambiental. A promessa era de modernização e eficiência. O que se entregou foi a legalização da negligência.

Não há dúvidas de que o Brasil precisa de uma lei específica sobre licenciamento ambiental — uma que traga segurança jurídica, fortaleça os órgãos públicos e simplifique processos para atividades de baixo risco. Mas o que saiu do Congresso Nacional é uma distorção dessa necessidade. O que se fez foi esvaziar a essência do licenciamento, transformando o que deveria ser regra em mera exceção.

Como num cardápio de retrocessos, parlamentares atenderam aos interesses de setores que veem progresso com lentes míopes. O licenciamento ambiental, que deveria prevenir desastres e proteger comunidades e ecossistemas, virou um balcão de negócios. No lugar de estudos técnicos e análise criteriosa, entra a lógica do “confia” — autodeclarações substituem vistorias, e licenças passam a ser emitidas automaticamente, como num “drive-thru” de irresponsabilidade.

Um exemplo gritante disso é a LAE (Licença Ambiental Especial), que cria um atalho perigoso no licenciamento ambiental brasileiro. Na prática, ela permite que empreendimentos sejam liberados sem a devida análise técnica, contornando o crivo de especialistas do Ibama. Basta um parecer político favorável, e pronto: licença concedida. É a fé cega no julgamento de quem tem interesses econômicos em jogo, como se fosse possível reverter desmatamentos, contaminações ou conflitos sociais com uma simples assinatura. A LAE transforma o licenciamento em um jogo de cartas marcadas — em que a técnica perde, a política ganha, e quem paga a conta é a sociedade.

O PL 2.159/2021 ignora lições dolorosas do nosso passado recente. Tragédias como as de Mariana e Brumadinho, que devastaram vidas, rios e territórios inteiros, são hoje tratadas como acidentes. Mas, sob a nova lógica, poderão ser vistos apenas como efeitos colaterais aceitáveis de um “progresso” que premia poucos e pune muitos. E a conta, como sempre, será paga pelos mais vulneráveis.

Sob o discurso da desburocratização, o Congresso está abrindo mão da responsabilidade de proteger o país. Em vez de fortalecer a prevenção, estão criando brechas para que os desastres se repitam — e com selo de legalidade. Dados do Ibama mostram que cerca de 90% das licenças ambientais no Brasil são para atividades de baixo impacto, que já poderiam ser simplificadas com normas infralegais. O problema não é a existência de regras, é a falta de estrutura para cumpri-las. Mas a resposta dada não foi o fortalecimento dos órgãos ambientais, e sim sua marginalização.

Além disso, a lei permite que estados definam suas próprias regras, o que aciona uma perigosa corrida para o fundo do poço. Na ânsia de atrair investimentos, será cada vez maior a pressão para reduzir exigências, como se a proteção ambiental fosse um entrave — e não um ativo estratégico para o país. Sem normas claras, todos perdem: o meio ambiente, a sociedade, o setor produtivo e o próprio Estado, que verá crescer a judicialização e os conflitos socioambientais.

A aprovação desse projeto ocorre justamente no ano em que o Brasil se prepara para sediar a COP30, em Belém. O contraste é vergonhoso. Enquanto o mundo se debruça sobre a emergência climática e busca caminhos de justiça socioambiental, o Congresso brasileiro opta por desmontar um dos instrumentos mais importantes de controle de danos. Legislam como se a crise climática não existisse e com disposição suficiente para fazer o Brasil fracassar em seu compromisso com o clima global.

Não se constrói um futuro quebrando a legislação, ignorando a ciência e sacrificando o meio ambiente. O agronegócio, a mineração e a infraestrutura — setores que dependem diretamente de recursos naturais — deveriam ser os primeiros a defender regras claras, e não os primeiros a derrubá-las.

O que o Congresso nos entregou não é uma lei de licenciamento. É uma carta branca para degradar com aval oficial. É um combo indigesto de retrocessos servido em nome de uma eficiência que, na prática, resultará em mais injustiça, mais desastres e menos segurança para o Brasil.

Fast food mata a fome por uma ou duas horas. Licenciamento ambiental omisso mata o meio ambiente e as pessoas por décadas.

*Mariana Mota é gerente política do Greenpeace Brasil.

Fonte: Ecoa Uol