Opinião

De Norte a Sul, o Brasil vive os extremos climáticos; é hora de reconhecer e se adaptar

Por Valcléia Solidade

Quantas vezes um discurso precisa ser repetido até que ele finalmente seja levado a sério? Acredito que toda geração já ouviu sobre a importância de conservar o meio ambiente, não jogar lixo na rua, diminuir o consumo de plástico, não derrubar árvores, e tantas outras pregações de professores e cientistas. Mas os alertas sempre foram e serão vistos como discursos distantes da realidade para quem é negacionista.

Acontece que a cada ano que passa, estamos enfrentando exatamente o que os cientistas previram. Terremotos, furacões, enchentes, seca. Pergunto, até quando a humanidade continuará sendo negligente com suas ações? Perto de nós, no Brasil, de Norte a Sul, vemos tragédias diferentes, mas que impactam as pessoas da mesma forma.

Quando nos voltamos para um passado recente, em 2023, nos deparamos com a severa seca que atingiu a Amazônia, principalmente o estado do Amazonas, em que mais de 40 comunidades ficaram isoladas, e ficaram isolados porque as nossas estradas são nossos rios e sem eles não há como se deslocar para os centros urbanos.

O impacto da estiagem deixou em evidência a importância de ações estruturantes por parte do poder público e a necessidade de escuta ativa com as principais lideranças das Unidades de Conservação. 

Uma das principais problemáticas que ouço dessas pessoas é a falta de energia, internet, além, é claro, da água, e todos estão interligados. Esse problema é comprovado durante todo o ano, mas durante o período da seca, ele tem uma evidência ainda maior. Ora, para se ter internet e facilitar comunicação para fora da comunidade é necessário energia. Sem energia, não há como captar água dos poços e abastecer as casas com água limpa.

Dentro desse cenário, é importante que se entenda o papel dos gestores públicos na preocupação de mitigar essas situações que, sem dúvidas, serão cada vez mais recorrentes. É importante que nós como cidadãos analisemos quais propostas e o que realmente os gestores públicos estão destinando de recursos para que sejam realizadas ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Por mais que ainda seja falado que esse assunto é “conversa para boi dormir” ou narrativa para causar pânico nas pessoas, é inegável enxergar que essa é a realidade que estamos vivenciando e é necessário que haja estratégia pelos governos estaduais, municipais e federal. Você já questionou quantos parlamentares destinaram recursos ou emendas para resolver ou minimizar os impactos? Quais foram os recursos destinados para diminuição do desmatamento e das queimadas, no caso da Amazônia? E como está o Pampa, no Rio Grande do Sul?

Se, por um lado, no Norte tivemos escassez de água, no Sul estamos presenciando o excesso dela, causando destruição por onde chega e ceifando vários municípios do Rio Grande do Sul.

É preciso avaliar os ecossistemas não como um atraso para os territórios, mas é necessário olhar para o Pampa, o Cerrado, a Amazônia e todos os biomas como ambientes que precisam ser tratados de forma especial, porque sabemos a importância de continuar conservando e preservando, não somente para o nosso país, mas também no ponto de vista mundial.

Mais do que nunca, ações precisam ser feitas para combater a narrativa de que os problemas que estão ocorrendo em relação ao clima são apenas desastres naturais. Pode ser? Sim, mas esses desastres têm muito mais a ver com as ações humanas contra o meio ambiente e a reação do planeta.

Cheguei a ouvir discursos de que não haveria cheia no Rio Grande do Sul e de que a Amazônia não iria secar. Bem, no Norte o rio secou e no Sul o rio transbordou. Em 2023, a situação dos gaúchos foi alarmante, mas neste ano tudo piorou, os impactos comprovam isso. Daqui há uns meses começa a estiagem no Norte. Será pior que a situação do ano passado?

Então, reafirmo que é necessário pensar em ações de resiliência, mas, acima de tudo, ações estratégicas políticas, olhando para os biomas do nosso Brasil e para tudo o que é possível desenvolver nesses territórios. Além disso, é necessário considerar a nova realidade e buscar alternativas, já realizadas em outros países, de contenção a situações como essas. 

Para além das ações de políticas públicas, hoje também é preciso pensar na reconstrução de vida dessas pessoas e destinar recursos para adaptação, porque para as cidades que ficaram debaixo das águas, eles não poderão retornar. E faço outro questionamento quanto a isso: Serão essas pessoas consideradas refugiadas climáticas dentro do próprio país? Como essas pessoas irão se adaptar em um ambiente diferente? Porque não estamos falando somente de estrutura física de casas, é uma perda de cultura, de tradição. Quanto custa tudo isso? É preciso fazer uma análise do prejuízo socioambiental.

Porque se houve dúvidas, após a pandemia que vivenciamos por dois anos, de que o negacionismo mata, a cada dia que passa temos a comprovação de que ele é letal.

*Valcléia Solidade é superintendente de desenvolvimento sustentável da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

Fonte: O Eco