Como o agronegócio joga contra a COP30
Por Marcio Astrini e Claudio Angelo
Predadores feridos são mais perigosos. A sabedoria popular vale para onças, ursos, tubarões — e também para o agronegócio brasileiro. Com o sucesso recente das políticas de redução do desmatamento, o setor começou a pôr em prática uma contrarreação que pode estragar o figurino de herói ambiental global que Luiz Inácio Lula da Silva pretende vestir na COP30, em Belém, no final de 2025.
O movimento não é novo. Sempre que o governo mostra falar a sério sobre as medidas contra a devastação, representantes do setor esquecem suas diferenças e caminham em bloco para forçar um recuo. Fizeram isso em 2008, quando tentaram derrubar um decreto que estabelecia o embargo a terras desmatadas ilegalmente. Repetiram a dose em 2009, quando outro decreto endurecendo regras ambientais fez a bancada ruralista mudar o Código Florestal.
Agora, porém, a contrarreação está mais ecumênica do que nunca. Produtores, exportadores e parlamentares se uniram na defesa do desmatamento e no ataque aos direitos dos povos indígenas.
O alvo mais recente é a moratória da soja, um acordo firmado por agentes privados há 18 anos, até hoje o exemplo mais bem-sucedido de autorregulação do agro no mundo tropical. A moratória impede que as grandes traders comprem soja produzida em áreas desmatadas depois de 2008 na Amazônia. Ela ajudou a derrubar as taxas de desmatamento enquanto a produção de soja crescia, provando que a agricultura dispensa a devastação.
Não é o que pensam, porém, os governadores de Rondônia, Marcos Rocha, e de Mato Grosso, Mauro Mendes. Ambos sancionaram leis punindo produtores que aderem à moratória. Alegam, falsamente, que o acordo perdeu objeto depois do novo Código Florestal, aquela lei aprovada pelos ruralistas em 2012, que agora os mesmos ruralistas tentam diariamente desmontar no Congresso. Pior, as associações empresariais que assinaram a moratória agora também desistem dela. Compradores da soja brasileira no exterior correrão risco aumentado de importar crime ambiental. O STF derrubou liminarmente a lei mato-grossense, mas a briga continua.
Também em perigo está a demarcação de terras indígenas. Os povos originários vêm resistindo à tentativa de congressistas de embutir na Constituição o marco temporal, tese racista segundo a qual comunidades que não estejam nas suas terras desde 1988 perdem o direito a elas. Desta vez, não podem contar nem com o Supremo. A Corte decretou o marco temporal inconstitucional em 2023, apenas para no ano seguinte criar a figura esdrúxula da “conciliação” entre invadidos e invasores.
Caso tirasse um tempinho para se informar, o agro teria lido o estudo do Instituto Serrapilheira mostrando que 57% da renda do agro depende diretamente da chuva gerada pelas terras indígenas da Amazônia. Investir contra as demarcações e a proteção da floresta é suicídio econômico.
Suicídio este que tem ganhado ares de profecia autorrealizável. Desde o ano passado, o agro vem tentando emplacar a narrativa de que é “vítima” das mudanças do clima (omitindo que causa 75% das emissões de CO2 do Brasil, o sexto maior emissor do planeta). No ano passado, chegou a enviar uma carta ao governo demandando que, na condição de vítima, o Brasil não adotasse nenhuma ação adicional de corte de emissões. Pois é.
Na lista de tarefas dos nossos agroboys e agrogirls para 2025 estão também os planos setoriais do clima, que serão objeto de pressão pela menor ambição possível; e a própria COP30, que já conta com um movimento “anti” composto pela extrema direita, com patrocínio ruralista.
Lula faria bem em prestar atenção à insurgência do “pessoal do agro”. Quem sempre atuou contra o meio ambiente e está empenhado em atacar o governo pode ver na COP30 um cenário perfeito para sabotar ambos.
*Marcio Astrini é secretário executivo do Observatório do Clima, Claudio Angelo é coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima e autor de “O silêncio da motosserra — Quando o Brasil decidiu salvar a Amazônia”
Fonte: O Globo