Opinião

Desmatamento não combina com políticas de enfrentamento das alterações climáticas

*Ravi Mariano

De acordo com a plataforma do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa-SEEG, considerando-se o ano de 2020, Minas Gerais foi o maior emissor de CO (686.822 ton), e o terceiro estado com maior emissão de outros Gases de Efeito Estufa , como o CH4 (1.818.742 ton) e o CO2e GWP AR-5 (Global Warming Potential – Fifth Assessment Report) (151.196.207 ton), que corresponde ao carbono equivalente e a seu potencial de aquecimento global.

Ainda de acordo com a SEEG, 39% das emissões foram oriundas de atividades agropecuárias e 18% oriundas de mudanças no uso da terra, o que inclui a derrubada de vegetação nativa no ano. De acordo com resultados do 4º Inventário de Gases de Efeito Estufa do Estados, de 2015 a 2019 mais da metade da emissão de CO2e esteve associada a mudança do uso da terra e atividades agropecuárias: em média, 70,1% oriunda da pecuária, e 29,9% da agricultura.

Em relação às emissões brutas de CO2 relacionadas à mudança de uso da terra, foi verificado aumento de 2015 a 2018, fato associado principalmente ao aumento do desmatamento, que por sua vez contribui tanto para as emissões relacionadas com a alteração do uso do solo quanto para as oriundas de resíduos florestais.
No período de 2015 a 2018, as emissões relacionadas à derrubada do Cerrado foram mais significativas dentre os biomas do Estado, com uma média de 59% das emissões, e da Mata Atlântica com 36%. Esses dados evidenciam os impactos da conversão de áreas de vegetação nativa para implantação de empreendimentos agropecuários, mesmo havendo grandes extensões territoriais de pastagens degradadas em Minas Gerais, onde poderiam ser instalados tais empreendimentos.

Assim, fica claro que o desmatamento de grandes áreas de vegetação nativa não está em consonância com as diretrizes de enfrentamento à crise climática. Como exemplo, podemos citar o Parecer Único da Semad/Supram Norte-DRRA, que sugeriu deferimento de Licença Ambiental Concomitante (LAC2) para as fases de Licença Prévia (LP) e de Instalação (LI) de empreendimento que desmataria mais de dez mil hectares de vegetação nativa de Cerrado nos municípios de Bonito de Minas-MG e Cônego Marinho-MG, na região norte de Minas Gerais, para implantação de projeto agropecuário pela empresa BrasilAgro.

A área que seria desmatada, segundo dados do Prodes Cerrado do Inpe, corresponde a cerca de 18% da média anual de desmatamento que ocorreu entre os anos de 2017 e 2021 no Cerrado de Minas Gerais, que foi de 57.502 ha/ano. Felizmente, o processo de licenciamento do empreendimento foi arquivado por solicitação da própria empresa.
No contexto de enfrentamento às mudanças climáticas, empreendimentos, principalmente os de grande porte, que prevejam desmatamento não deveriam ser aprovados. Sua implantação deveria ser aprovada e estimulada pelo governo apenas em áreas já antropizadas, como os milhões de hectares de pastagens degradadas existentes em Minas Gerais.

Ademais, uma diretriz estratégica de enfrentamento à crise climática é a criação de áreas protegidas. De acordo com o 4º Inventário de Gases de Efeito Estufa do Estado de Minas Gerais, mencionado acima, as Unidades de Conservação e Terras Indígenas foram responsáveis pela maior contribuição em relação as remoções de CO2e oriundas da mudança do uso da terra de 2015 a 2019. O Cerrado contribui com 52%.

Assim, a proteção legal de ambientes naturais deveria ser prioridade no combate às mudanças do clima. Apesar disso, não houve aumento significativo da área protegida gerida pelo Estado de Minas Gerais nos últimos quatro anos.
O governo de Minas demonstrou interesse em empreender medidas de enfrentamento à crise climática através da Aliança pela Ação Climática-ACA Brasil, que busca alcançar os compromissos pactuados pelo Brasil no Acordo de Paris, reduzir emissões de gases de efeito estufa, e aumentar a resiliência dos territórios frente a crise climática.
A Feam lidera, em conjunto com a Disclosure Insight Action-CDP e a Governos Locais pela Sustentabilidade-IcleiI América do Sul, o Plano de Ação Climática – Race to Zero, com vistas a mitigar as emissões de gases de efeito estufa e adaptar o Estado aos efeitos adversos da mudança do clima.
Na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 (COP-26), em Glasgow na Escócia, Romeu Zema, enfatizou a busca por sustentabilidade no Estado e destacou o desenvolvimento de projetos relacionados à recuperação ambiental.

A Secretária de Meio Ambiente Marília Melo, anunciou intenção do governo de reflorestar 3,7 milhões de hectares até 2030. Considerando essa meta, a Semad/Supram não deveria sugerir o deferimento de licenciamentos ambientais de projetos como o da Brasil Agro, pois o desmatamento está na contramão do reflorestamento.

Assim, entendo que Minas Gerais possui papel fundamental no enfrentamento à crise climática no Brasil, e políticas de enfrentamento devem ser implementadas afim de mitigar os impactos das mudanças climáticas, e de assegurar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para sua população, inclusive para as comunidades que vivem em regiões de maior vulnerabilidade.

*Ravi Mariano é engenheiro florestal, doutor em ciências florestais, da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda).