Nossa incapacidade de bem gerenciar a Terra
*Marcus Eduardo de Oliveira
De um lado, há a economia global, um sistema de produção e consumo de mercadorias ilimitado estabelecido com o principal propósito de levar para mais de 7,5 bilhões de pessoas algumas condições de comodidade material; do outro lado, há a Terra, um sistema biofísico limitado, e por isso, incapaz de atender à crescente demanda econômica. No centro dessa seara, há um elemento-vivo chamado ser humano, com infinitos desejos e ilimitadas vontades, dotado de inigualável capacidade de perturbar a ordem do equilíbrio natural, dada a profundidade de nossa ignorância no trato para com as coisas da natureza, da qual dependemos para a nossa sobrevivência.
Sabendo-se que o mundo ecológico-natural é regulado por leis físicas e biológicas que limitam tudo, inclusive o crescimento da economia, é correto afirmar, diante disso, que nenhum tipo de crescimento é compatível com a existência de ecossistemas limitados, mesmo numa condição em que haja irrevogável ganho de eficiência energética. Quanto a isso, parece que os economistas tradicionais desenvolveram certa dificuldade em entender o funcionamento do chamado "efeito rebote" (rebound effect). Entretanto, não é o fito deste artigo tocar o dedo nessa ferida.
Importa apenas dizer que, como o crescimento econômico está intimamente vinculado a uma base física limitada, o problema daí decorrente para o atendimento de nossos desejos materiais – cada vez mais expansivos, vale reafirmar – obviamente acaba se chocando com os limites do planeta.
Isso fica bem mais fácil de ser visualizado da seguinte maneira: digamos que, se houver um crescimento da economia global de 3% em média, apenas duas décadas e meia será tempo o suficiente para duplicarmos o consumo atual de recursos (finitos). O problema é justamente a finitude desses recursos num mundo físico também limitado, portanto, colocando em xeque o expansionismo ininterrupto que se pretende levar à economia.
Sendo assim, não é exagero, tampouco retórica considerada "romântica verde", dizer que o futuro de nossa civilização a longo prazo depende da relação e do comportamento que estamos tendo com a Mãe-Natureza. Nessa direção, se fracassarmos definitivamente com a Terra – do jeito como claramente já nos encontramos fracassando – fracassaremos com o nosso próprio propósito de existência, fazendo fracassar conjuntamente todo o processo econômico. O que está em jogo, ademais, talvez seja algo de amplitude e consequências tão avançadas que nossa visão mal consegue alcançar.
Diante da ação de agressão/devastação empreendida ao mundo ecológico/ambiental, vale dizer, promovida antropicamente, movida, pois, pelo desejo de crescente consumo material, é certo que, se não mudarmos com brevidade o nosso jeito de agir com a Terra, bem como o nosso jeito de administrar a economia, é improvável que tenhamos algum sucesso quanto ao prolongamento do Sistema Vida que requer mínimas condições de qualidade e bem-estar humanos.
Nessa perspectiva, a ultrapassagem dos limites planetários alcançados exaustivamente para benefício de um sistema econômico global pautado no expansionismo industrial, consolidando assim o paradigma da conquista material como sinônimo exclusivo de progresso humano, aliado a uma conduta das populações que usa e abusa dos recursos da natureza e do provisionamento dos principais serviços ecossistêmicos para abastecer a sociedade de consumo, têm aumentado de forma considerável o empobrecimento biológico da Terra.
Ora, dessa forma, o desenvolvimento da complexa e conflituosa relação homem-natureza, às vezes subjacente, aponta sobremaneira para um endividamento ambiental que a humanidade tem contraído, levando-a a debitar da natureza, sem direito de devolução, parcela substancial da base (suporte e aporte) na qual toda a economia (e a atividade humana) se apoiam, que é o capital natural (oceanos, rios e mares, fauna e flora, água potável e alimentos, solos aráveis, minerais, florestas e madeiras, população de peixes, entre outros); por isso se convenciona dizer que, no momento presente, a humanidade tem "consumido" 1,5 planeta Terra por ano.
Essa amostragem, per si, evidencia a drástica mudança física que nós humanos já provocamos na Terra por uso inadequado e totalmente fora dos limites, vide, por exemplo, o que segue: i) os oceanos (cada vez mais acidificados); ii) as reservas pesqueiras conhecidas (65% delas encontram-se completamente esgotadas); iii) a perda florestal (o mundo já perdeu 129 milhões de hectares ao longo dos últimos 25 anos, área correspondente ao tamanho da África do Sul); iv) a extinção de espécies (embora haja dissenso, é razoável afirmar que, diante das 100 milhões de espécies diferentes existentes na Terra, sabendo-se que o índice de extinção é de apenas 0,01% ao ano, conclui-se que pelo menos 10 mil espécies são extintas por ano); v) a contaminação e perda de solos férteis (de 9 bilhões de hectares disponibilizados para uso humano, 23% já perdeu toda a biodiversidade); vi) níveis de poluição do ar, das águas e dos solos (em patamares intoleráveis pós-industrialização), entre outros.
Num quadro assim, de absoluta perda de biodiversidade e de esfacelamento do imprescindível capital natural que, cabe ponderar, vale muito mais que o capital manufaturado (máquinas, equipamentos, estradas, carros e outras coisas feitas pelos homens), não há dúvida de que, tão somente, temos mostrado a nossa mais completa incapacidade de bem gerenciar a Terra; por isso, no decorrer do tempo, se não houver imediata reversão, ainda continuaremos pagando elevado preço por nossas inconsequências e por nossa ganância material.
Contudo, estejamos certos de algo que especialmente James Lovelock e outros grandes nomes da Ciência tem nos chamado a devida atenção: "trata-se de arrogância achar que sabemos como salvar a Terra; nosso planeta cuida de si próprio. Tudo o que podemos fazer é tentar nos salvar".
De nossa parte apenas acrescentamos: isso exige certa brevidade ou então não estaremos mais por aqui.
*Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental
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