ICMS ecológico virou ’indústria de APAS’
*Maria Dalce Ricas
Ausência de fiscalização por parte do Instituto Estadual de Florestas (IEF), descaso vergonhoso das prefeituras pelas Unidades de Conservação que lhes permitem aumentar arrecadação e uma indústria de Áreas de Proteção Ambiental (APAs). Esse foi o cenário encontrado pela Amda ao investigar a destinação do ICMS ecológico em 12 municípios de Minas Gerais. As pesquisas foram feitas na gestão municipal que terminou em 2016.
A entidade constatou que as APAs municipais não têm sede, programa de prevenção e combate a incêndios, fiscalização, funcionários e nem mesmo um gerente que responda por elas. E os municípios que recebem o imposto por abrigarem unidades de conservação de proteção integral (parques, estações ecológicas, refúgios de vida silvestre, monumentos naturais), com apenas uma exceção, não estão nem aí para o que acontece com elas. Não destinam um real para ajudar no combate a incêndios ou melhoria de acessos. Ao contrário, alguns, como Ibirité, estimulam sua degradação.
O ICMS ecológico foi criado pela Lei Estadual nº 12.040/2000, conhecida como "Lei Robin Hood", e prevê destinação de percentual do total do imposto arrecadado pelo Estado a municípios que abriguem unidades de conservação. Um de seus objetivos é estimular proteção da biodiversidade e da água, por meio da criação de áreas protegidas. Porém, passados 17 anos, o que se viu foi uma explosão de APAs com a única finalidade de receber o recurso.
A lei não obriga que o recurso arrecadado seja investido nas UCs, mas o município pode destiná-lo ao que quiser e há regras para repasse dos recursos que não estão sendo observadas pelo IEF. A DN Copam 86/05 determina que sejam vistoriadas anualmente pelo menos 20% das unidades cadastradas pelas prefeituras, o que não é feito. O IEF alega que não tem estrutura, mas continua aprovando repasse dos recursos.
São Gonçalo do Rio Preto recebe mensalmente mais de R$ 70 mil pelo Parque Estadual do Rio Preto, que inclusive protege as nascentes do rio de mesmo nome que abastece o município e é balneário frequentado em toda a região. Além disso, o parque, dotado de raras belezas naturais, estimula pousadas e comércio na cidade, que tem menos de 4.000 habitantes. Mesmo assim, a prefeitura não o ajuda em nada.
Córrego Novo recebe cerca de R$ 15 mil mensais por uma APA de mesmo nome, que não tem funcionários, sede, gerentes e nenhuma ação contra fogo. E Buenopólis recebe cerca de R$ 30 mil por uma APA, na mesma situação.
Somos integralmente favoráveis ao ICMS ecológico, mas é preciso urgentemente moralizá-lo. Utilizando os poucos e precários canais de participação na gestão dos recursos naturais que restam à sociedade no Brasil, cada vez mais excluída pelos poderes Legislativo e Executivo, propusemos e foi aceito, com apoio da Semad e IEF, criação de Grupo de Trabalho no âmbito da Câmara de Proteção da Biodiversidade do Copam para discutir mudanças na DN 86. Entregamos o documento e solicitamos reunião técnica ao presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Glaycon Franco, e enviamos solicitação de abertura de inquérito civil aos promotores das comarcas dos municípios investigados.
A Amda apresentou algumas propostas, como: reavaliação da destinação dos recursos, revisão dos parâmetros que regulam o repasse do ICMS, mais rigor na avaliação dos municípios que devem recebê-lo, previsão de exclusão ou suspensão do cadastro de municípios que descumprirem as regras ou serem indutores de degradação das unidades de conservação e de sua zona de amortecimento. Além disso, a exigência de Plano de Manejo implantado para inscrição no cadastro, fiscalização efetiva para comprovação das informações prestadas pelos municípios e de atividades econômicas ou de infraestrutura implantadas dentro das APAs municipais. E previsão legal de transparência por parte do IEF do processo de apuração dos valores a serem repassados e das prefeituras no que se refere à aplicação dos recursos.
O documento foi enviado às prefeituras mencionadas, que até o momento estão "fingindo de mortas", talvez achando que a situação nunca mudará.
*Maria Dalce Ricas é Superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda).