Opinião

A concentração de CO2 ultrapassou definitivamente as 400 ppm

*José Eustáquio Diniz Alves

A concentração de gases de efeito estufa (GEE) ultrapassou o limiar de 400 partes por milhão e atingiu um perigoso ponto de não retorno. Nos 800 mil anos antes da revolução industrial a concentração de CO2 na atmosfera ficou abaixo de 280 partes por milhão (ppm). Ou seja, em cada um milhão de moléculas de ar no planeta, havia menos de 280 do principal gás de efeito estufa. As medições com base no estudo do gelo, mostram que em 1860 a concentração atingiu 290 ppm. Em 1900 estava em 295 ppm. Chegou a 300 ppm em 1920 e atingiu 310 ppm em 1950.

Em 1958, Charles Keeling, instalou no alto do vulcão Mauna Loa o primeiro equipamento para medir as concentrações de CO2 na atmosfera. A pesquisa tinha como objetivo comprovar a tese de um professor dele de que o CO2 produzido por atividades humanas estava se acumulando progressivamente no ar e aquecendo o planeta. A partir de uma série de dados mensais da concentração de CO2, Charles elaborou um dos gráficos mais famosos da história climática, a chamada curva de Keeling (como mostrado na figura acima).

Com base nos dados do laboratório de Mauna Loa, constata-se que a concentração de CO2 na atmosfera, na média mensal, chegou a 399,76 partes por milhão (ppm) em maio de 2013 e só ultrapassou a barreira de 400 ppm no ano seguinte. Em abril de 2014 a concentração de CO2 ficou em 401,34 ppm, passou para 401,88 ppm em maio e caiu para 401,20 ppm em junho de 2014. Mas como a concentração segue um padrão sazonal, ao longo do ano, com os picos acontecendo no mês de maio e os vales acontecendo nos meses de setembro, a média anual de 2014 foi de 398,61 ppm.

Em 2015, a marca das 400 ppm foi ultrapassada em 8 dos 12 meses, sendo fevereiro (400,28), março (401,54), abril (403,28), maio (403,96), junho (402,80), julho (401,31), novembro (400,16) e dezembro (401,85). Na média anual, 2015 foi o primeiro ano a ultrapassar a barreira simbólica e marcou a cifra de 400,83 ppm.

O ano de 2016 vai ser o primeiro a ultrapassar a marca de 400 ppm em todos os meses e em todas as semanas. Somente no dia 29 de agosto a concentração de CO2 ficou abaixo da marca histórica e marcou 399,46 ppm. Nos demais 364 dias do ano a concentração se manteve acima de 400 ppm, com o recorde no dia 10 de abril com 409,34 ppm. A semana de 10 a 16 de abri teve a marca recorde semanal de 408,69 ppm e o mês de maio de 2016 teve o recorde mensal de 407,7 ppm. Houve queda nos meses seguintes e o mês de agosto teve média de 402,25 ppm.

Nos primeiros dias de setembro a concentração de CO2 ficou em 400,98 ppm. Na semana de 5 a 11 de setembro ficou em 400,97 ppm. Na última semana de setembro a concentração ficou em 400,72 ppm, a menor média semanal do ano. Na média de setembro de 2016, a concentração atingiu 401,03 ppm, o nível mensal mais baixo para o ano de 2016.

No mês de outubro a concentração mensal voltou a subir e atingiu a média mensal de 401,57 ppm. Foi o primeiro mês de outubro com concentração acima de 400 ppm. Seguindo as tendências sazonais, a concentração de CO2 deve subir até maio de 2017, quando, provavelmente, deve ultrapassar a marca de 410 ppm. O que mostra que o mundo está indo para uma situação perigosa e sem precedentes pelo menos nos últimos 800 mil anos.

Quanto mais sobe a Curva de Keeling, mais aumenta o aquecimento global e mais rápido acontece o degelo do Ártico, da Groenlândia, da Antártica e dos glaciares. Tudo isto provoca a elevação do nível dos oceanos que pode ficar, em um futuro não muito distante, de 6 a 9 metros acima da média do século XIX. O excesso de dióxido de carbono também provoca acidificação dos solos e das águas. Assim, o aquecimento global, gerado pela emissão de gases de efeito estufa (GEE) passa a ser a maior ameaça para a continuidade do processo civilizatório e a permanência da vida na Terra tal como evoluiu nas últimas dezenas de milhões de anos.

Ultrapassar o limite de 350 ppm já é um grande risco. Ir além de 410 ppm é um risco muito maior, pois o Planeta pode repetir a temperatura do período Eemiano, que terminou a 115 mil anos atrás, quando a temperatura estava cerca de 2º C acima da média do século XX e havia muito menos gelo e o mar estava entre 6 e 9 metros acima dos níveis atuais. Para evitar uma catástrofe, o mundo vai ter não só que zerar as emissões, mas também sequestrar carbono para reduzir o efeito estufa.

Infelizmente, a eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA deve agravar os problemas ambientais, enfraquecer o Acordo de Paris e deve aumentar as emissões de CO2, já que ele pretende incentivar o crescimento econômico e a indústria fóssil. A consultoria em inovação Lux Research, de Boston, projeta que os EUA devem emitir 3,4 bilhões de toneladas adicionais de CO2 caso Trump governe o país por oito anos e coloque em práticas os seus planos econômicos.

Artigo de Tobias Friedrich et. al., publicado na revista Science (09/11/2016) sugere que o clima da Terra poderia ser mais sensível aos gases de efeito estufa do que se pensava. Usando novo valor para a sensibilidade do clima à alta na concentração de CO2 na atmosfera, chegou-se ao cenário de que a alta na temperatura média global poderia variar de 4,8 a 7,4 graus Celsius em 2100 na comparação com os níveis pré-industriais. Se a temperatura da Terra subir nesses níveis, o aquecimento global poderia transformar o Planeta em um inferno.

O mundo corre perigo. O efeito estufa trará custos enormes e as sociedades podem não estar preparadas para pagar o alto preço de limpar no futuro a sujeira feita no passado e no presente. No ritmo atual, as gerações futuras vão receber uma herança maldita, que pode provocar uma significativa mobilidade social e ambiental descendente.


*José Eustáquio Diniz Alves é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate