A humanidade ultrapassou a capacidade de carga do Planeta
*José Eustáquio Diniz Alves
A principal característica do século XX foi a exploração desenfreada da natureza. A população mundial passou de 1,65 bilhão de habitantes em 1900, para 6 bilhões em 2000, um aumento de quase 4 vezes. Mas o crescimento da economia ocorreu em ritmo bem mais elevado. A emissão de gases de efeito estufa atingiu níveis alarmantes e a concentração de CO2 na atmosfera é a maior em milhões de anos. O consumo per capita de energia aumentou quase 4 vezes, como mostram os gráficos acima (Heinberg, 2016).
Mas o mais grave é que a destruição da natureza continua em ritmo assustador no século XXI. A promessa do desenvolvimento sustentável e da economia verde tem se mostrado uma ilusão. A desmaterialização e a descarbonização da economia – promessa da 4ª Revolução Industrial, baseada na Internet, celulares, impressoras 3D, etc. – não aconteceu na prática.
A extração global de recursos naturais foi elevada entre 1970 e 2010, sendo que o ritmo se acelerou nos anos 2000. Como mostra o "Paradoxo de Jevons", a maior eficiência energética e a menor intensidade de uso de materiais não elimina o fato da demanda agregada aumentar o uso global dos recursos naturais.
O relatório "Global Material Flows And Resource Productivity" (UNEP, julho de 2016) mostra que a extração de recursos naturais globais aumentou três vezes nos últimos 40 anos. A quantidade de matérias-primas extraídas do seio da natureza subiu de 22 bilhões de toneladas em 1970 para 70 bilhões de toneladas em 2010. O aumento do uso de materiais globais acelerou rapidamente nos anos 2000, com o crescimento das economias emergentes, em especial com o crescimento da China. O crescimento na extração de recursos naturais passou de 7 toneladas per capita em 1970 para 10 toneladas per capita em 2010.
Se a extração de recursos continuar, em 2050, haverá uma população de 9 bilhões de habitantes e uma demanda de 180 bilhões de toneladas de material a cada ano para atender às demandas antrópicas. Esta é a quantidade quase três vezes a situação atual e provavelmente vai aumentar a acidificação dos terrenos e das águas, a eutrofização dos solos do mundo e dos corpos de água, além de aumentar a erosão e aumentar a poluição e as quantidades de resíduos.
O mais grave é que, desde 1990, tem havido pouca melhoria na eficiência no uso dos materiais globais. Na verdade, a eficiência começou a declinar por volta do ano 2000. Ou seja, em vez de haver "desacoplamento" (decoupling), a economia internacional está utilizando cada vez mais recursos da natureza per capita e por unidade do PIB. O modelo marrom continua. As emissões de carbono e de metano continuam em ritmo perigoso.
Relatório do Banco Mundial, divulgado em maio de 2016, prevê que 1,3 bilhão de pessoas serão afetadas pelas inundações nas próximas décadas e o prejuízo material pode chegar a US$ 158 trilhões. Artigo de Samantha Page (maio 2016) mostra que nos últimos 30 anos houve um aumento de 10 vezes no custo global de desastres. E tudo está ficando pior, pois a humanidade já ultrapassou a capacidade de carga da Terra.
Nos últimos 45 anos a Pegada Ecológica mundial ultrapassou a biocapacidade do Planeta. Desde o início dos anos 1970, o déficit ambiental vem subindo constantemente. Em 2012, o mundo tinha uma população 7,1 bilhões de pessoas, com uma pegada ecológica per capita de 2,84 hectares globais (gha) e uma biocapacidade per capita de 1,73 gha, como mostra o gráfico abaixo.
O mundo tinha em 2012 uma biocapacidade total de 12,2 bilhões de hectares globais, mas tinha uma pegada ecológica de 20,1 bilhões de hectares globais. Portanto, a pegada ecológica ultrapassava a biocapacidade em 64%. Ou dito de outra maneira, o mundo estava consumindo o equivalente a 1,64 planeta. Portanto, a população mundial vive no vermelho e provoca um déficit ambiental que cresce a cada ano.
O planeta Terra é único. No longo prazo, não dá para usar mais de um planeta, sem destruir toda a herança acumulada pela natureza durante milhões de anos. Portanto, é preciso decrescer do uso de 1,64 planeta para 1,0 planeta. Existem três alternativas: 1) diminuir o padrão de consumo dos habitantes do globo (principalmente o consumo conspícuo e os tipos de consumo mais poluidores e degradadores do meio ambiente); 2) diminuir o volume da população mundial; e 3) diminuir o consumo e a população ao mesmo tempo. O mundo precisa reverter o aumento do fluxo metabólico entrópico, pois é inviável querer continuar crescendo acima da capacidade de carga e acima da biocapacidade do Planeta.
Sem dúvida, para evitar o colapso ambiental é preciso reduzir a pegada ecológica e para evitar as injustiças sociais é preciso reduzir os níveis de desigualdade. A solução não pode ser o crescimento econômico ilimitado com crescente extração de recursos do meio ambiente. Ao contrário, será necessário não só o decrescimento da população mundial, mas também o decrescimento do padrão de consumo médio das pessoas, com equidade social.
Estudo publicado em setembro de 2016 no periódico científico "Current Biology" mostra que nos últimos 20 anos, o mundo perdeu 3,3 milhões de quilômetros quadrados, ou quase 10%, das suas áreas de natureza selvagem, isto é, regiões praticamente intocadas pela ação humana. Quase 50 mil elefantes africanos são caçados por criminosos a cada ano, número que já seria preocupante se a população desse tipo de animal não estivesse reduzida a menos de 500 000. O motivo da caça intensa é a demanda pelo marfim, especialmente da China, Laos e Vietnã, que representam 80% do mercado ilegal e onde os produtos de marfim são considerados itens de luxo.
A escala das atividades antrópicas já ultrapassou os limites fundamentais da sustentabilidade. O aquecimento global caminha para uma temperatura acima de 2º C (em relação ao período pré-industrial), o mesmo nível existente a 115 mil anos atrás (no período Eemiano) quando o nível do mar estava de 6 a 9 metros acima do nível atual. Por conta disto tudo, a humanidade precisa sair do déficit ecológico e voltar para o superávit ambiental, descarbonizando a economia e resgatando as reservas naturais, para o bem de todos os seres vivos da Terra, pois a natureza não depende das pessoas, mas as pessoas dependem da natureza. O ecocídio significará também um suicídio para a humanidade.
*José Eustáquio Diniz Alves é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: EcoDebate