Destruição de patrimônios da humanidade
*Martin Wagner e Noni Austin
A mudança climática fez mais uma vítima. Quase um quarto dos corais na Área da Grande Barreira de Corais, na Austrália, Patrimônio da Humanidade um dos ecossistemas mais ricos e complexos do mundo morreu, neste ano, no pior branqueamento em massa de corais registrado na história. Mesmo nos confins setentrionais da Barreira, suficientemente distante de pressões humanas, como ocupações e projetos costeiros, para que fosse preservada a saúde dos corais, espantosos 50% deles morreram.
As temperaturas do mar acima da média, que desencadearam esse branqueamento, ficaram 175 vezes mais prováveis devido às alterações climáticas. Como o oceano continua a absorver o calor da atmosfera, o branqueamento dos corais em larga escala, como o que dizimou a Grande Barreira de Coral, provavelmente vão se tornar ainda mais frequentes e devastadores.
O futuro do Patrimônio da Humanidade, de valor inestimável, depende da redução imediata das emissões de gases geradores do efeito estufa, indutor das mudanças climáticas. No entanto, muitos dos governos responsáveis por proteger esses sítios contidos em suas fronteiras não só não se abstêm de agir vigorosamente como implantam projetos de energia suja, como minas de carvão e usinas térmicas a carvão.
Ao mesmo tempo em que a Grande Barreira de Corais morre diante de nossos olhos, a Austrália incrementa sua exploração de combustíveis fósseis sujos. No ano passado, o governo australiano aprovou tanto a enorme mina de carvão Carmichael e do terminal de Abbot Point, localizado perto da Grande Barreira de Coral, para facilitar a exportação mundial da produção da mina Carmichael. As emissões atribuíveis à mina Carmichael ficarão entre as mais elevadas resultantes de um único projeto em qualquer lugar do mundo.
E o problema não se limita à Austrália. Em Bangladesh, país situado em costa baixíssima, que o torna um dos mais vulneráveis às alterações climáticas, o governo apoia uma proposta de construção de duas enormes usinas de eletricidade baseadas na queima de carvão adjacentes ao sítio de Sundarbans, pertencente ao Patrimônio da Humanidade. A Índia também apoia a proposta.
Não apenas essas usinas emitirão grandes quantidades de gases de efeito estufa, como também devastarão o Sundarbans, onde o Ganges e outros rios se encontram na Baía de Bengala num espetacular delta de ilhas de manguezais, que são o habitat dos tigres de Bengala e de botos, sob risco de extinção. As usinas vão poluir as águas com cinza de carvão tóxico, gerarão um tráfego constante de barcaças transportadoras de carvão e exigirão a dragagem do leito dos rios. O mercúrio expelido pelas chaminés vai se acumular nos organismos vivos marinhos, contaminando permanentemente o abastecimento alimentar de centenas de milhares de pessoas e de animais selvagens vulneráveis.
É verdade que Bangladesh é pobre em energia, um problema que necessita ser solucionado para que continue a desenvolver sua economia. Mas existem alternativas. O país tem um potencial significativo para a produção de energia renovável, e já é um dos líderes mundiais em captação de energia solar nos telhados das edificações.
Evidentemente, a responsabilidade por evitar alterações climáticas antropogênicas perigosas não cabe apenas aos países que abrigam sítios do Patrimônio da Humanidade. Mas, sabendo o que sabemos hoje, é indefensável dar início a esse tipo de projetos energéticos sujos danosos.
Tendo em vista que governos não estão protegendo o nosso patrimônio natural, a Comissão do Patrimônio da Humanidade (WHC, em inglês) deve se fazer presente para ajudar a por fim à exploração desenfreada dos combustíveis fósseis. Especificamente, o WHC deveria identificar os sítios que estão sob risco de tais ameaças e executar missões de acompanhamento.
O objetivo deveria ser incentivar ações de governos para reduzir ameaças relacionadas a combustíveis fósseis em determinados sítios. Tal ação do WHC também ajudaria a educar e capacitar a sociedade civil e, ao mesmo tempo, exercer pressão sobre as instituições financeiras para que neguem o financiamento para projetos extrativos em larga escala.
As reuniões anuais do WHC, como a recémencerrada Istambul, são o fórum ideal para tal esforço. Dezenas de organizações e mais de 60 mil pessoas pediram que a Comissão exorte a Índia e Bangladesh para que cancelem as usinas de carvão e invistam em energias renováveis. Paralelamente, dezenas de renomados cientistas, ONGs e advogados internacionais e australianos exigiram que o WHC aconselhe a Austrália a não continuar apoiando projetos que agravarão o impacto das mudanças climáticas na Grande Barreira de Corais.
À medida que as mudanças climáticas crescem e resultam cada vez mais ameaçadoras, instituições influentes como o WHC precisam tomar posição contra o legado tóxico e insidioso da dependência em relação ao carvão e a outros combustíveis fósseis. Se a comissão permanecer em silêncio sobre essa questão crucial, o Patrimônio da Humanidade sofrerá as consequências em todo o mundo. (Tradução de Sergio Blum).
*Martin Wagner é procuradorgeral do International Program of Earthjustice, a maior organização legislação ambiental sem fins lucrativos nos EUA; e Noni Austin é uma advogada australiana do Programa Internacional da Earthjustice.
Fonte: Valor Econômico