Licenciamento ambiental e democracia
*Carlos Bocuhy
O licenciamento ambiental é alvo de polêmica nos últimos meses. No final de abril, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65, que acaba com o licenciamento prévio em obras de infraestrutura.
A PEC estabelece que, a partir da simples apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) pelo empreendedor, nenhuma obra poderá ser suspensa ou cancelada. Com isso, o processo de licenciamento e estudos socioambientais deixam de existir.
Licenciar ambientalmente, neste momento da história do planeta (o chamado antropoceno), é importante não só para prevenir o dano ambiental mas também para evitar o caos.
O atual estágio da humanidade se caracteriza por alterações além dos limites aceitáveis dos ecossistemas, muito longe da sustentabilidade, e a análise prévia dos impactos ambientais em empreendimentos ganha ainda mais peso.
Isso significa que qualquer alteração proposta para o licenciamento ambiental, como vem sendo defendida por senadores e deputados federais, em projetos de lei em análise no Congresso, deveria ser pautada de acordo com o melhor interesse público e conhecimento científico.
Essas propostas devem sempre considerar fatores como a realidade ampliada e concentrada das atividades humanas em macrometrópoles, as interações de efeitos sinérgicos e cumulativos que colocam em risco a água, a saúde da população, a biodiversidade e grandes ecossistemas ameaçados, como a Amazônia.
Nossa realidade continua a sofrer os efeitos da devastação e da retórica governamental, descolada de ações práticas de proteção e recuperação ambiental.
O primeiro passo para abordar o licenciamento ambiental de forma responsável seria avaliar a viabilidade de gestão do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).
Os órgãos ambientais, tanto federais como estaduais, encontram-se sucateados, seja em corpo técnico ou em meios operacionais, inclusive para administrar aspectos pré e pós-licenciamento.
Um upgrade neste sistema evitaria muitos desastres do porte da barragem em Mariana, da Samarco Mineração, que causou mortes e até agora traz efeitos nocivos ao meio ambiente.
Sem verificar a viabilidade de gestão do sistema instalado, estão ocorrendo propostas que irão agilizar o caos, já que tratam o licenciamento apenas como um incômodo a ser removido, argumento potencializado por uma crise econômica.
Simplificar o licenciamento e retirar meios de controle social nada mais será do que oficializar o caos e perpetuar o abandono dos órgãos ambientais.
As iniciativas que tramitam no Senado, como a PEC 65/2012 e o projeto de lei do Senado 654/2015, desconsideram o despreparo e estão focadas em criar um by-pass para atender os empreendedores, em detrimento do interesse público.
Essa abordagem equivocada é um retrocesso que está presente nas propostas da Câmara dos Deputados, do Senado e do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
As alterações que tramitam no Conama mantêm no plano geral a mesma natureza de vícios constatados nas outras iniciativas legislativas, descoladas da realidade, da precariedade de gestão, da realidade biofísica, bioquímica e da vulnerabilidade de nossas populações.
É preciso que a sociedade brasileira atente para esses fatos e inicie uma verdadeira batalha para manter a normativa ambiental brasileira. As propostas de mudanças na legislação apresentam inconstitucionalidades e equívocos, como já constataram vários juristas.
Deveríamos tratar dessa matéria dando prioridade ao conhecimento científico, provendo capacitação, operacionalização do Sisnama e meios de transparência, além da participação e controle social.
*Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental e conselheiro do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente)
Fonte: Folha de São Paulo