Novas regras para o pré-sal e o desinvestimento em combustíveis fósseis
*José Eustáquio Diniz Alves
O sonho do Eldorado do pré-sal foi por água abaixo. Ou melhor, continua debaixo d’água, pois é dificil extrair lucro das riquezas localizadas abaixo dos cinco mil metros de profundidade de rochas que, que por sua vez, estão debaixo de 2 mil metros de água do oceano Atlântico. Iludiu-se quem esperava rios de dinheiro do "ouro negro" abissal e dos royalties do pré-sal para a educação e a saúde.
O Brasil está pior hoje do que estava há 10 anos, antes da descoberta do pré-sal. A maldição do petróleo atingiu em cheio o país. Contando com o "ovo na cloaca da galinha", o Brasil comprou fiado e disparou a comer omelete. Houve endividamento geral da Petrobras, dos estados e dos municípios. Benfeitorias foram pessimamente planejadas e viraram esqueletos de malfeitorias. O Brasil continua com pouco petróleo, mas com muita dívida, "elefantes brancos", desemprego e muita sucata espalhada por cidades como Itaboraí, no Rio de Janeiro.
Reportagem do jornal El País constata o fracasso do polo petroquímico Comperj – que foi apresentado "como o maior empreendimento único da Petrobras e um dos maiores do mundo no setor": "Quase uma década depois de seu anúncio, o Comperj é talvez a melhor ilustração da corrupção, das ineficiências e do intervencionismo político que gangrenam a Petrobras, a maior empresa do Brasil, guardiã das reservas de petróleo e até pouco tempo motivo de orgulho nacional. Como ponto forte de um longo decálogo de más práticas sobressai a redução drástica e súbita do Comperj original – inicialmente, a ideia era criar um polo petroquímico, mas agora tudo se resumirá a uma refinaria com capacidade diária para 165.000 barris -, sem que essa degradação tenha evitado, porém, que o custo orçamentário triplicasse, até os atuais 70 bilhões de reais. Uma cifra colossal à qual terão de ser adicionados alguns milhões mais para concluir as obras, hoje paradas, com 85% terminado".
O Brasil continua um país importador líquido de petróleo, apesar de todo o dinheiro gasto e da enorme dívida que a Petrobras contraiu. O fato é que o consumo manteve-se sempre maior do que a produção e o sonho de país exportador líquido de petróleo ainda está distante.
O gráfico abaixo, apresentado no jornal Valor, por Fábio Pupo e Lucas Marchesini (Valor, 22/01/16) mostra que o déficit na balança comercial de petróleo do Brasil aumentou até 2013, quando atingiu a elevada soma de US$ 20,4 bilhões. Com a desaceleração da economia em 2014 o déficit caiu um pouco para US$ 17 bilhões. Mas foi com a grande recessão de 2015 que o déficit se reduziu para US$ 5,7 bilhões e talvez possa até ser zerado em 2016, com a nova queda do PIB. Ou seja, a redução do déficit está ocorrendo via "ajuste recessivo", pois as exportações caem desde 2012.
Diante da crise da Petrobras e das dificuldades para a exploração do pré-sal, o Senado Federal aprovou no dia 24/02/2016, por 40 votos favoráveis, 26 contrários e duas abstenções, o texto substitutivo do projeto de lei que altera as regras de exploração de petróleo do pré-sal. O projeto de autoria do senador José Serra (PSDB-SP) retira da Petrobras a exclusividade das atividades no pré-sal e acaba com a obrigação de a estatal a participar com pelo menos 30% dos investimentos em todos os consórcios de exploração da camada.
Segundo o jornalista Josias de Souza, o governo foi derrotado pela realidade: "Estruturado no governo Lula, o assalto à Petrobras deixou a companhia em petição de miséria. E o lema do governo – ’O pré-sal é nosso’ – sofreu um envelhecimento precoce, tornado-se um anacronismo ideológico. Estabeleceu-se uma ilusão paralisante. Sem dinheiro, a Petrobras nem explora o pré-sal nem pode desocupar as reservas".
É preciso ter claro que a proposta do senador do PSDB teve apoio da base aliada do governo e contou até com a concordância da Presidenta, como relata Souza: "Informada de que sua infantaria, liderada pelo PT, seria esmagada, a presidente deu meia-volta. Negociou com o relator Romero Jucá a inclusão da Presidência da República no processo decisório sobre os campos do pré-sal. A bancada petista no Senado decepcionou-se com a rendição de Dilma. Manifestantes de entidades como UNE e CUT, que faziam barulho nos corredores do Congresso, tornaram-se sócios da decepção. O projeto ainda será submetido ao crivo da Câmara. Mas Dilma já é vista como uma espécie de Vênus de Milo. Nos próximos dias, o petismo e seus adeptos travarão infindáveis debates sobre a forma como madame perdeu os braços".
O site 247 informa que o Senador Roberto Requião (PMDB-PR) disse: "Dilma diz uma coisa e governo débil, frouxo e sem convicção tem outra prática. Se alia com Serra e entrega o pré sal. Despreza luta histórica". E o Senador petista Lindbergh Farias criticou no mesmo dia: "A mudança de orientação do governo, durante a tarde de hoje, nos deixou perplexos e desarmou nossa luta, abrindo mão do enfrentamento em prol de um péssimo acordo com o PSDB que causa um prejuízo enorme ao Brasil".
Outro elemento que complexifica a equação é a variável meio ambiente e a necessidade que o Brasil tem de cumprir o Acordo de Paris, que estabelece o objetivo de manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2º C ou até mesmo abaixo de 1,5º C. Isso significa que a humanidade não poderá emitir mais do que 850 bilhões de toneladas de CO2 daqui para frente. Isto traz uma pressão para se manter as reservas no subsolo, para evitar o aumento da emissão dos gases de efeito estufa. Enquanto houver necessidade de reduzir as emissões, o risco do investimento no pré-sal se manterá alto. Assim, o futuro do pré-sal fica comprometido devido ao preço baixo do petróleo no mercado internacional e a necessidade de se enfrentar o aquecimento global
O fato é que o pré-sal tem fracassado e, de certa forma, contribuiu para que o Brasil passe pela maior recessão de sua história. O sonho do Eldorado que forneceria recursos para a educação, a saúde e os municípios virou pesadelo. Em vez de industrialização liderada pelos combustíveis fósseis, temos uma grande desindustrialização do país e aumento das taxas de desemprego. Liberar a exclusividade da Petrobras é apenas mais um retrocesso da proposta de fortalecer os campeões nacionais e engrandecer o capital nacional. Há uma briga pelo espólio de um projeto que fracassou e que, até aqui, só trouxe ilusão e prejuízo ao povo brasileiro.
Mas o lado bom é que quanto mais petróleo e gás for deixado no subsolo menor será os efeitos negativos no aquecimento global. Para evitar o agravamento do aquecimento global, antes da COP-21, foi lançada a campanha pelo desinvestimento em energias fósseis visando reduzir o aumento da concentração de CO2 na atmosfera. A campanha pelo desinvestimento cobra de governos, empresas e instituições a retirada de recursos de combustíveis fósseis. O investimento em petrolíferas é um perigo tanto para o clima quanto para o capital dos investidores. Até mesmo a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) aderiu às mobilizações globais pelo desinvestimento em combustíveis fósseis.
Agora em 2016 foi lançado o "Leap Manifesto", que já conta com a assinatura de milhares de pessoas e organizações. No Brasil está marcado um evento no dia 1 de maio, nas Cataratas do Iguaçu, que pretende convocar a população para ajudar a manter o petróleo e o gás no solo. O mundo está em uma encruzilhada e o caminho alternativo está nas energias renováveis, na eficiência energética e na redução das atividades antrópicas.
*José Eustáquio Diniz Alves é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: EcoDebate