Opinião

Geração de conhecimento como aliada da conservação

*Marcia Hirota

Se o mapa-múndi fosse baseado na produção científica de cada país, o nosso gigante Brasil teria seu território bastante reduzido, assim como nossos vizinhos latinos. De modo geral, todo o hemisfério sul seria comprimido, frente à ampliação dos países do norte, com destaque para Estados Unidos e países europeus, líderes globais em produção e publicação de artigos científicos.

O mapa acima pode causar estranhamento, mas é ilustrativo para entendermos os desequilíbrios na produção de conhecimento global e o papel que o Brasil ocupa nessa categoria.

Em termos quantitativos, o país está em 13º lugar no ranking da produção científica, de acordo com estudo da empresa Thomson Reuters, que reúne a maior base de dados mundial sobre o tema. Já na lista dos 3.126 %u201Cmais influentes%u201D cientistas do mundo, em relatório publicado pela mesma empresa, apenas quatro brasileiros são citados, com destaque para o doutor Paulo Artaxo, que atua nas questões de mudanças climáticas, meio ambiente e poluição urbana, entre outros temas.

A qualidade da produção científica no Brasil tem crescido e nas universidades e instituições de pesquisa do país não faltam bons profissionais e pesquisadores. A ausência é de estrutura, recursos financeiros e mais investimentos para essa atividade.

Em 2015, a crise econômica chegou também à ciência brasileira. Não bastasse o ajuste fiscal que atingiu o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Ministério da Educação (MEC), tivemos também redução de recursos de programas como o Ciências Sem Fronteiras e de fundações de amparo à pesquisa.

Na área ambiental, a pesquisa científica é uma importante aliada para a qualificação de iniciativas de conservação da natureza, proteção da biodiversidade e recursos naturais, restauração florestal e recuperação de ecossistemas degradados. Apesar do cenário desfavorável, felizmente podemos contar com cientistas e pesquisadores que têm gerado conhecimento e inovação de ponta nessa área, fundamentais também para o desenvolvimento do país.

Muito se fala, por exemplo, do papel das florestas em minimizar as causas do aquecimento global, já que as árvores têm a capacidade de retirar CO2 da atmosfera. Agora, você sabia que se a mata em questão for uma "floresta vazia", apesar de aparentemente intacta, essa capacidade é drasticamente reduzida?

A conclusão é de um estudo realizado por especialistas brasileiros, liderado pelo professor Mauro Galetti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, que aponta "florestas vazias" como aquelas que perderam populações de animais, entre eles os herbívoros de grande porte, como as antas e os muriquis. O motivo é que esses animais são os únicos capazes de comer os frutos de maior proporção e dispersar essas sementes pela mata por meio do sistema digestivo. E há uma relação direta entre os frutos e sementes grandes com as árvores também de grande porte. São elas, justamente, as com maior capacidade de sequestrar o gás carbônico da atmosfera.

Essa perda progressiva de animais nos ambientes naturais é um fenômeno mundial, mas no Brasil atinge principalmente as áreas de Mata Atlântica, bioma historicamente mais impactado pela pressão humana. A boa notícia é que estudos sobre esse tema já geraram projetos de reintrodução de animais nativos, como um realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

Outro exemplo de resistência na produção científica nacional é o trabalho desenvolvido pela Rede Nacional de Pesquisa em Biodiversidade Marinha (SISBIOTA-Mar), que contou com apoio da Fundação SOS Mata Atlântica e possui 3 frentes – ecologia, conectividade genética e prospecção de substâncias químicas de organismos marinhos – e promove a integração de pesquisas sobre recifes de corais para gerar aplicações para a conservação marinha no país.

Os recifes são considerados, juntamente com as florestas tropicais, um dos ambientes mais ricos e diversos do planeta, por abrigarem uma extraordinária variedade de plantas e animais. Uma em cada quatro espécies marinhas vive nos recifes, incluindo 65% dos peixes.

No Brasil, os recifes de corais se distribuem por aproximadamente 3 mil km de costa, do Maranhão ao Sul da Bahia e ilhas oceânicas. Nessas áreas existem Unidades de Conservação (UCs) que protegem uma parcela significativa desses ambientes e onde essas pesquisas são também desenvolvidas, sendo que algumas delas são ou já foram apoiadas pela Fundação SOS Mata Atlântica, como a Reserva Biológica do Atol das Rocas (Rio Grande do Norte), a Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais (Pernambuco e Alagoas) e o Parque Nacional Marinho de Abrolhos (Bahia).

A Fundação SOS Mata Atlântica tem apoiado pesquisas científicas ao longo de sua trajetória. Na área marinha, os editais do Fundo Costa Atlântica e os fundos pró-Unidades de Conservação Marinha beneficiam, graças ao apoio de patrocinadores, diversos projetos de pesquisa nas áreas protegidas. No Centro de Experimentos Florestais SOS Mata Atlântica – Brasil Kirin, localizado na cidade de Itu, no interior de São Paulo, pesquisadores de várias universidades contribuem com estudos relacionados à restauração florestal e espécies da Mata Atlântica.

A Mata Atlântica já foi em grande parte devastada sem sequer ser estudada. A cada ano, novas espécies são descobertas, mas há ainda muitas lacunas do conhecimento. Por isso, a SOS Mata Atlântica acredita que a pesquisa científica é fundamental para os esforços e engajamento da sociedade para a conservação e a promoção de políticas públicas. Temos um caminho longo, e com muitos percalços, pela frente, mas as pesquisas não podem parar. Nossos pesquisadores, especialmente os grandes aliados da causa ambiental, já demonstraram que têm capacidade e estão preparados para o desafio. Profissionais dedicados que devem ser ouvidos, valorizados e reconhecidos pelas autoridades e pela sociedade.

*Marcia Hirota é diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG brasileira que desenvolve projetos e campanhas em defesa das Florestas, do Mar e da qualidade de vida nas Cidades

Fonte: SOS Mata Atlântica